segunda-feira, 20 de julho de 2009

OPINIÃO > Rua do Patrocínio: «A conversa sobre o ‘fracasso da escola’ já enjoa…»

No último quarto de século o panorama das escolas alterou-se profundamente. “A escola (e pensa-se no liceu do antigamente) já não é o que era”. Como havia de ser de outro modo? Os problemas da educação não têm a sua principal origem num fracasso da escola, mas sim nas transformações sociais que colocaram sobre pressão todas as instituições em todas as áreas: sociedade multiétnica, desemprego, divergência entre a vida sonhada e a vida vivida, diferenciação entre as profissões, o domínio das tecnologias de informação. Como é que todas estas transformações poderiam passar ao lado da escola?

As mudanças nos últimos anos põem a nu uma assinalável contradição: apontam todas para um maior grau de autonomia do aluno, para o desenvolvimento individual de interesses e tarefas. Para isto, porém, é necessário tempo e não adestramento e pressão para se ser “eficaz” nos exames.

Mas é duvidoso que este género de observações chegue aos nossos “estratos cultos”, ex-alunos dos tempos áureos (?!) do Pedro Nunes ou do Maria Amália, que cascam na escola pública. Duvida-se que esta geração mainstream de progenitores mantenha uma relação frutífera com o mundo de Gutenberg. Sempre se trata da geração que aceitou, no último decénio, sem um gesto de revolta, a redução de 20 a 30% de texto nos jornais diários, que transporta ambiciosamente os seus filhos, durante a semana, entre pelo menos cinco “actividades de tempos livres”, que fica nervosa, quando os seus rebentos, aos 5 anos, ainda não aprendem a segunda língua estrangeira. É a burguesia que, diferentemente dos seus pais, não conhece a máxima multum, non multa e entrou há muito na era pós-metafísica, na qual não existe profundidade, mas sim só superfícies. Para ela, a ideia de uma experiência de aprendizagem em que existam rupturas e transformações provoca horror vacui. Esta gente tosse, cheia de saúde, no concerto, na Gulbenkian ou no S. Carlos, quando a música se torna suave, lenta, complexa. Esta gente vê a educação como uma prestação de serviços, género operação plástica: botox para o cortéx. Se o resultado, depois da acção do operador pedagógico, não for o desejado, clamam pela “liberdade de escolha” da escola e pelo “cheque-ensino” que permite o financiamento das escolas privadas com dinheiros públicos. Educação em Portugal, para esta gente uma questão de origem de classe.

Fonte: Rua do Patrocínio

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