sexta-feira, 2 de maio de 2014

António Nóvoa critica «visão tradicionalista da escola em Portugal»



 “As políticas do atual governo vieram reforçar uma visão tradicionalista da escola em Portugal”
Assinala-se agora o 40.º aniversário do 25 de Abril. Como avalia estas quatro décadas da Escola em democracia?
Destaco cinco aspetos, três no Ensino Básico, um no Superior e outro na Ciência. Em relação ao Básico, conseguimos criar uma escola onde estão todas as crianças e jovens, mas não conseguimos ainda uma escola onde todos aprendem. Ou seja, ganhámos a batalha da presença, mas falta ganhar a da aprendizagem. É um dos grandes desafios que temos pela frente. Por isso, quando me perguntam para que serve um professor, respondo: para ensinar os alunos que não querem aprender. Porque temos ainda muitos alunos para os quais a escola não faz sentido. É preciso que a escola tenha um sentido pessoal e social para todos os alunos, pois só assim conseguiremos construir a motivação, o esforço e o trabalho da aprendizagem.
De que forma?
Com dois ‘movimentos’ muito importantes: uma Escola centrada na aprendizagem e o reforço do espaço público da educação. Primeiro, é preciso compreender as novas gerações, que pensam, sentem, comunicam e aprendem de maneira muito diferente de nós. É preciso compreender estas diferenças e construir pedagogias coerentes e adaptadas aos tempos atuais. Uma pedagogia tradicional, meramente transmissiva, em que a pedagogia se faz num único sentido – do professor para o aluno – é um anacronismo. É preciso construir a aprendizagem com os alunos, construir pedagogias da relação, da participação, da comunicação, da partilha. Não podemos deixar-nos levar pela ideia de que a pedagogia do nosso tempo é que era exigente.
E o segundo “movimento”?
É a assunção, por parte da sociedade, que a Educação não está apenas na escola; deve ser também da responsabilidade dos pais, das famílias, das instituições culturais, das autarquias, dos centros de saúde, de desporto, etc. É o que tenho designado por Espaço Público da Educação. É a metáfora da ‘cidade educadora’: as cidades têm hoje uma grande diversidade de instituições e deve haver uma maior partilha das responsabilidades educativas. Não podemos continuar com uma Escola ‘transbordante’, à qual pedimos que faça tudo e mais alga coisa.
Qual deve ser, do seu ponto de vista, o papel do professor nessa ‘reconfiguração’?
As políticas do atual governo vieram reforçar uma visão tradicionalista da escola em Portugal. Claro que os alunos têm de aprender Português e Matemática! A questão é como.
É preciso liberdade pedagógica. É preciso que cada um construa a sua maneira própria de ser professor. É preciso acabar com o dirigismo do Ministério da Educação, que atingiu níveis impensáveis com este governo, o mais doutrinário do ponto de vista pedagógico desde o 25 de Abril. O ministro Nuno Crato é que sabe quais são os métodos bons; se se deve usar calculadora no ensino da Matemática; a internet e as novas tecnologias na escola...
É preciso, então, mais autonomia?
Sim. Em suma, os três principais desafios da Educação Básica são: conseguir que todos aprendam na escola; desenvolver uma pedagogia cooperativa e participativa, que reforça o papel e a autoridade do professor; e estabelecer um novo 'contrato educativo': o do século XX era "A Educação faz-se dentro da escola", o do século XXI terá de ser "A Educação faz-se em todos os lugares".
E em relação ao Ensino Superior e à Ciência?
Fizemos um enorme esforço de expansão do Ensino Superior, mas ainda estamos muito longe da média dos países europeus. É preciso, por um lado, continuar essa expansão. Por outro, desenvolver o conceito de ‘UniverCidade. lsto é: que as universidades se liguem cada vez mais à vida pública, à economia, às autarquias. Muitas felizmente estão a fazê-lo, mas é preciso ir mais longe. O mesmo em relação à Ciência. Em vez de um empreendedorismo estreito, é necessário trazer o conhecimento, científico para a sociedade; que o caminho percorrido na Ciência sirva para fertilizar a Economia. Mas são precisos dois para dançar o tango. As empresas, as autarquias, etc. têm que ‘dançar’ com a Universidade. Desta relação depende o futuro de Portugal.
Extracto de entrevista a António Nóvoa
(JL  Ano XXXIV | N.º 1137 | 30 ABRIL 2014)