domingo, 11 de julho de 2010

OPINIÃO > Manuel Correia Fernandes: «A escola número 44»

44/2010, é o número da Resolução do Conselho de Ministros que estabelece orientações para o reordenamento da rede escolar do 1.º ciclo. Tem data de 14 de Junho do corrente ano, é para ser aplicada ao ano lectivo que vai começar já no próximo mês de Setembro, o processo que lhe corresponde deverá estar concluído dentro de um ano, ou seja, em meados de 20011 e consagra uma verdadeira revolução da escola alguma vez lavada a cabo neste país.

Para o efeito, são definidos três objectivos fundamentais: adaptar a rede escolar ao objectivo de uma escolaridade de 12 anos para todos os alunos, adequar a dimensão e condições das escolas à promoção do sucesso escolar e ao combate ao abandono e racionalizar os agrupamentos de escolas de modo a promover o desenvolvimento de um projecto educativo comum, articulando níveis e ciclos de ensino distintos.

Uma das consequências imediatas desta "política" consta do texto da própria resolução e concretiza-se com o encerramento imediato de todas as escolas que tenham menos de 21 alunos ou que, por qualquer razão, e para além da atrás invocada, estejam a funcionar a título excepcional. Seguidamente, a Resolução determina que o processo de extinção de estabelecimentos públicos de ensino - porque é só destes que a Resolução trata - é articulado e negociado com os municípios competentes.

Desta negociação haverá de resultar um calendário para as referidas extinções, a necessária redistribuição dos alunos que ficarão sem escola por outras a definir e a consequente montagem de redes de transportes escolares que passarão a ser necessários. O contrário disto é a excepção e nada poderá fugir à regra agora estabelecida para além de 2011. Neste sentido, e para além de algumas outras minudências sobre modos de extinguir e reorganizar, este é o conteúdo essencial da Resolução a que vimos fazendo referência de cujo regime apenas são excepcionados os estabelecimentos públicos de ensino artístico especializado.

Olhando para os objectivos traçados na Resolução, podemos dizer que são consensuais. Ou que, pelo menos, não são susceptíveis de grande controvérsia e caberão mesmo em qualquer programa de qualquer governo, seja qual for a área política em que se insira. Isto, à primeira vista, porque, à segunda, já o mesmo pode não acontecer. O facto é que se todos estamos de acordo em alargar a escolaridade obrigatória para 12 anos e em promover o sucesso escolar a todos os níveis, já a assumida promoção de "um projecto educativo comum" deixa algumas dúvidas que, obviamente, não se referem ao proposto "projecto educativo" mas ao facto de ter de ser… "comum"!

O problema é que a escolaridade de 12 anos para todos os alunos não é um problema que se resolva com uma mais ou menos complexa "rede escolar" como a Resolução dá a entender. O problema é, obviamente, de outra natureza mas claro que poderá conhecer melhores dias se a citada rede for melhor. Só faltará saber em que sentido! Depois, a Resolução estabelece uma relação directa entre a dimensão das escolas, o sucesso escolar e o combate ao abandono. A verdade é que não existe essa relação assim tão directa. Ou seja: a avaliar pelo conteúdo da Resolução, fica-se com a ideia de que o sucesso escolar será tanto maior quanto maior for a escola o que, no mínimo, carece de fundamento e comprovação, tanto do ponto de vista dos estudos disponíveis como do ponto de vista da experiência no terreno. Por último, há muito boa gente que defende que não há — nem deve haver — um "sistema escolar" no sentido em que a escola se torna igual de Norte a Sul e de Leste a Oeste mas, antes, "escolas"! E, isto, porque a escola está — deverá estar sempre —intimamente ligada ao meio em que se insere, sob pena de desenraizamento, desarticulação ou descolamento da realidade, tornando a aprendizagem desligada da experiência dos estudantes que nos primeiros anos de vida olham em volta e têm de aprender com o que vivem e compreender o que vêem.

De resto, não podem deixar de assinalar-se algumas perplexidades que desenvolveremos, no entanto, em crónicas posteriores como, por exemplo: qual o papel que tiveram e têm os municípios e, claro, a sua associação, quando nunca vimos debater a questão dos PDM face a uma outra e radicalmente diferente rede de escolas como a que agora é proposta? Qual o impacto no trânsito, na estrutura viária e de transportes quando a nova escola assenta, sobretudo, na concentração em "megaescolas" e, portanto, numa mobilidade em tudo distinta da que até hoje tem sido equacionada para o efeito? Qual a nova relação entre o local de residência que é naturalmente disperso pela cidade e a nova escola que é objecto de concentração em menos e maiores unidades? A verdade é que não se sabe ou, pelo menos, o comum dos mortais não sabe que medidas já foram tomadas face à iminência de uma tão grande revolução. Tenhamos em linha de conta que os números são elucidativos. É que vão ser abatidas ao activo do país mais de três mil escolas e, em sua substituição, vão ser criados cerca de 600 centros escolares! Convenhamos que é obra!

Fonte: Jornal de Notícias

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