segunda-feira, 17 de agosto de 2009

OPINIÃO > Pedro Marques Lopes: «Somos todos bons»

Segundo o relatório anual do Conselho Superior da Magistratura, há umas semanas divulgado, dos 1932 juízes em funções, apenas foram avaliados/ inspeccionados 259. Aparentemente, está tudo normal. Pelos vistos, ninguém achou estranho que 87% das pessoas de quem a democracia depende para o seu regular funcionamento não tenham sido avaliadas.

Para quem ande distraído, os juízes são aqueles senhores a quem cabe aplicar a lei. Quem, no limite, decide se o cidadão vai para a cadeia, se uma empresa vai à falência por não poder executar um crédito, se um trabalhador é legal ou ilegalmente despedido ou se um pai pode visitar um filho. São as pessoas que aplicam o mais valioso bem numa comunidade: a justiça.

Também ninguém parece ter achado, no mínimo, curioso que dos inspeccionados apenas um tenha sido considerado medíocre e que 237 de 258 sejam bons ou muito bons.

Não conheço dados da avaliação (se é que existe) dos magistrados do Ministério Público ou dos oficiais de justiça mas era capaz de jurar que, a haver inspecções ou avaliações, os resultados diriam que eram todos - ou, pelo menos, a esmagadoríssima maioria ― bons ou muito bons.

Ora, ficamos a saber (sempre com a reserva do possível erro em que posso estar a incorrer sobre os magistrados do Ministério Público e oficiais de justiça) que não é pelas pessoas que a gerem que a nossa justiça não funciona: algumas são tão boas que nem vale a pena avaliá-las ― só pode ser por isso ―, as outras, quando são avaliadas, têm excelentes resultados.

De facto, avaliações daquelas pessoas ou ausência de avaliação têm praticamente o mesmo resultado. Será que alguém, no seu juízo perfeito, acredita que numa dada profissão 91% dos avaliados são bons ou muito bons? E que critério leva a que sejam aqueles 259 a ser avaliados e não os outros? Porque não todos?

Tem que se dar razão a Alberto João Jardim quando resolveu correr os professores da Madeira a “bom”: mais vale não fingir.

Em Portugal, a avaliação de desempenho é um bicho de quem toda a gente foge.

Os magistrados servem, neste caso, como mero exemplo de uma situação comum aos mais diversos sectores do Estado e também, a bem da verdade, a largas fatias do sector privado: a inexistência factual de avaliação de desempenho ― essa coisa tão simples nos seus objectivos e que permite dizer que alguém é melhor que o outro na execução de uma determinada tarefa ou no exercício de uma profissão e que não deixa que o simples decurso do tempo sirva como único critério para ter melhor salário, melhores prémios ou melhores condições laborais.

É verdade. Há bons trabalhadores e maus trabalhadores. Há bons e maus juízes; bons e maus polícias; bons e maus médicos; bons e maus professores; bons e maus gestores. Não somos, de facto, todos iguais: há quem trabalhe mais, quem se sacrifique mais, quem seja mais inteligente. Eis a dura realidade.

Quando o Estado, como principal empregador português, não promove e não incentiva um melhor desempenho, como quer que a produtividade suba? É que, por muito que se aposte em qualificação e formação, sem métodos correctos de avaliação de desempenho, o dinheiro gasto nesses programas é puro e simples desperdício. Mas as associações profissionais e os sindicatos, nomeadamente, estão na linha da frente da luta contra o julgamento do mérito.

Qual será o incentivo para que um funcionário público trabalhe mais e melhor quando o secretário-geral da CGTP afirma que não deve existir avaliação de desempenho dos trabalhadores do sector público? Que reacção terá um polícia que se esforce na sua acção diária quando ouve um dirigente sindical dizer que apenas o tempo deve servir para subir de escalão profissional? Quantas vezes ouvimos publicamente um representante de uma associação profissional ou ordem (honrosa excepção a Marinho e Pinto) dizer que um membro deve ser expulso da profissão porque é incompetente?

Alguém se lembra de um dirigente sindical exigir bons métodos de avaliação de desempenho para que os melhores trabalhadores fossem recompensados e os maus penalizados?

A verdade é que vivemos num país que promove a mediocridade e desincentiva o esforço e o mérito.

Fonte: Diário de Notícias

Nenhum comentário: