segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Mudar de direcção

Disponibilizo aqui a minha crónica, já editada no secção “Opinião Demarcada”, do jornal “O BASTO”.

http://www.jornalobasto.com/

Mudar de direcção

Periodicamente, o Ministério da Educação resolve marcar a agenda dos meios de Comunicação Social, sendo feitas declarações bombásticas. Ora a Ministra da Educação, Isabel Vilar, deu uma entrevista ao semanário Expresso, publicada na edição do passado dia 31 de Julho, na qual afirmava que a fórmula do chumbo “não tem contribuído para a qualidade do sistema”. “A alternativa é ter outras formas de apoio, que devem ser potenciadas para ajudar os que têm um ritmo diferenciado”, sublinhava a governante, acrescentando que pondera alterar as regras de avaliação durante o seu mandato, apesar de pretender um consenso e um debate alargado no sector.

Todos os partidos da Oposição reagiram às declarações da ministra. O PSD através de Jorge Moreira da Silva, seu vice-presidente, considerou a intenção da governante “errada” e capaz de “basear o processo de aprendizagem no facilitismo”. O CDS-PP considerou-a um “disparate” e uma “injustiça”, opondo-se de forma “tenaz” à medida e sustentando que “Portugal necessita de valorizar a cultura do mérito”. O Partido Comunista Português considerou a proposta da ministra da Educação uma medida “facilitista” e que “desqualifica completamente o ensino”, sublinhando que a intenção não resolve nenhum problema. Ana Drago, deputada do Bloco de Esquerda, embora reconheça que a maior parte dos estudos demonstram que a retenção não é a melhor forma de recuperar os alunos, observou que, no Norte da Europa, onde o chumbo deixou de ser a regra, “existem um conjunto de condições que as nossas escolas não têm”. A deputada do Bloco de Esquerda afirmou que aí a “estrutura curricular é muito menos pesada”, o tamanho das turmas anda à volta dos 18 alunos, por oposição à média de 28 em Portugal, e existem “equipas multidisciplinares que em Portugal nunca mais vêem a luz do dia”.

Logo no dia seguinte os jornais publicaram novas declarações de Isabel Vilar, procurando ‘interpretar’ aquilo que dissera ao Expresso. Desta vez, a ministra esclareceu que a medida será aprovada de forma “gradual” e “moderada”, enfatizando que “nunca será uma medida isolada”, nem “aprovada sem debate”.

Isabel Vilar foi entrevistada, no passado dia 1 de Agosto, no “Jornal da Noite” da SIC, tendo sido ‘apertada’ pelas questões pertinentes do pivô Bento Rodrigues, o que demonstra a boa preparação deste, levando a entrevistada a mostrar algum embaraço perante algumas questões. Colocada perante a evidência de a ideia da ministra colher pouco apoio, Isabel Vilar sublinhou que aquelas pessoas que criticam a ideia “reagem porque não conhecem alternativa”, acrescentando que estão “arreigadas a um modelo”.

A ministra aponta como exemplo a seguir os países do Norte da Europa, o que levou o pivô da SIC a observar que as escolas portuguesas «não têm as mesmas condições das do Norte da Europa», e que «nem os alunos têm a mesma atitude dos alunos do Norte da Europa…»

Questionada se não será uma utopia querer atingir o sucesso para todos, a governante não admitiu isso, observando “nos outros países não é” e que nós também «temos condições para fazer melhor».

Em primeiro lugar, deixo um reparo: a ministra utiliza uma linguagem desusada, como “reprovar” e “chumbos”, pois o termo actual para essa situação é “ser retido” e “retenção”, o que não lhe fica bem. Ao mesmo tempo critica aqueles que não acreditam na bondade da proposta da ministra como não conhecendo alternativa, o que me parece uma dificuldade da governante em aceitar críticas e vendo a sua equipa como incapaz de errar. Aliás, só assim se compreende a afirmação de Isabel Vilar a determinado momento da entrevista: «Nós temos uma política educativa séria!»

Se este Governo quiser efectivamente mudar alguma coisa na Educação, e eu concordo que alguma coisa tem de ser feita, para que o sistema educativo seja efectivamente sério, deverá:

1.Centrar a sua acção nos resultados conseguidos pelas escolas e não na avaliação individual dos docentes;

2. Deixar liberdade às escolas de organizarem o apoio aos alunos que revelem mais dificuldades e não impor-lhes um modelo;

3. Criar equipas multidisciplinares nas escolas, para apoiar os alunos com mais dificuldades;

4. Diminuir o número de alunos por Turma;

5. Rever a estrutura curricular;

6. Alterar as regras de avaliação e não permitir que o aluno passe com qualquer nível inferior a três;

Actualmente o nível de alunos retidos é muito menor do que era há alguns anos. Mas é muito maior do que era há pouco mais de duas décadas quando eu comecei a leccionar. E a diferença está na atitude dos alunos. Dantes, havia empenho dos alunos em conseguir bons resultados, mas agora a maior parte deles não se esforça minimamente nesse sentido, pois verificam que muitos atingem as coisas sem qualquer esforço. A este propósito, há casos de alunos que chegam ao último Período do nono ano com níveis inferiores a três, nomeadamente a Língua Portuguesa e a Matemática, mas há uns professores ‘modernaços’ que conseguem a alteração do nível nos Conselhos de Turma, de modo a que os alunos possam ir a Exame com a certeza de serem aprovados, mesmo com nível negativo naquele, o que infelizmente se vem tornando cada vez mais habitual. O que torna isto mais espantoso é que tal situação ocorra com alunos mandriões, que se recusam a fazer qualquer esforço. Querer ensinar seja o que for a um aluno que se recusa a aprender é como meter uma pedra numa gaiola e ordenar-lhe que cante: é um acto falhado! Ora “premiar” este tipo de aluno, é o pior sinal que uma escola pode dar.

Nestas últimas décadas mudou a forma como é encarada a escola. Noutros tempos, a escola era vista como um local de aprendizagem, onde era preciso dedicação e esforço para serem atingidas as metas, o que dava satisfação aos alunos e aos seus pais. Era também um meio de ascensão social, pois os pais proporcionavam aos seus filhos mais estudos do que eles próprios tinham obtido, no sentido de lhes permitirem uma vida melhor. Nessa época, a escola era encarada como um motor da sociedade.

Mas o tempo encarrega-se de transformar tudo!... A escola é agora encarada por um grande número de alunos como uma “prisão”. Muitos pais vêem a escola como uma bênção, porque os filhos estão guardados e são alimentados durante o dia, não se preocupando com o comportamento e o aproveitamento dos seus educandos. É neste contexto que se movimentam os Professores que, além de tratarem os assuntos que dizem respeito às suas disciplinas, têm ainda de ensinar regras até de convivência e fazer relatórios infindáveis sobre as dificuldades de alunos que se agravam de ano para ano.

Enquanto os pais não encararem a escola como um meio que permitirá a formação adequada dos seus educandos e os alunos um trampolim que lhes proporcionará um futuro melhor, as coisas não mudarão tanto quanto seria desejável.

É positivo ouvirmos a ministra da Educação falar de «exigência» e de «expectativas elevadas», mas a experiência que os docentes têm é que vai ser difícil inverter a situação. Décadas de laxismo, por parte dos Governos, deram o resultado que todos verificamos. Agora vai ser um trabalho hercúleo mudar de direcção. Mas reconheço que não temos alternativa! Se quisermos aproximar-nos da realidade existente nos países do Norte da Europa…

Telmo Bértolo

02/08/2010

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