quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Ken Robinson: «Os professores é que são o sistema educativo e não o Ministério da Educação»

Entrevista

Aceitamos a diversidade nos restaurantes, na arquitectura. Por que não na escola?

Ken Robinson ficou espantado com a existência de papel higiénico de cor negra. Descobriu esta ideia portuguesa no hotel onde ficou hospedado, em Lisboa. Diz que é um exemplo de criatividade e que é esta que vai fazer os países superarem a crise económica. Para isso, cada um deve encontrar o seu “elemento”. Por Bárbara Wong (texto)

Há 11 anos, Ken Robinson reuniu um grupo de especialistas britânicos, envolveu escolas, professores e associações para discutir a importância da criatividade nas salas de aula. O relatório All Our Futures ficou conhecido por Robinson Report e apresentava propostas concretas. Só as medidas mais simples foram aplicadas, porque os governos arriscam pouco, diz. Mas, mesmo assim, nas escolas onde houve mudanças registou-se “um impacto nas notas dos alunos e no moral dos professores”.

Desde então, o especialista em educação, armado cavaleiro por Isabel II, tem sido convidado como orador ou como especialista por países e empresas que querem inovar. A criatividade é um dos ingredientes para que cada indivíduo descubra o seu “elemento”, propõe. O “elemento” é “o lugar onde as coisas que adoramos fazer e as coisas em que somos bons se reúnem”, define. O Elemento, publicado pela Porto Editora, é um livro que reflecte não apenas sobre o sistema educativo, “que mata a criatividade das crianças”, mas sobretudo sobre as pessoas, sobre como é que podem encontrar o segredo para serem felizes.

A criatividade deve ser ensinada nas escolas. O que aconteceu no Reino Unido depois da publicação do relatório All Our Futures?
As artes têm muito pouco peso nos currículos e eu fiz campanha, em toda a Europa, a favor da criatividade. Quando Tony Blair foi eleito, a tónica era "Mais educação, mais educação". Mas quando chegou ao Governo, as políticas que levou a cabo foi: mais exames, mais inspecção, mais avaliação, pagar aos professores conforme os seus resultados... Nas escolas, cresceu um clima de medo entre os professores. Não defendo que não deve haver metas, mas sempre defendi que deveria haver uma estratégia para desenvolver a criatividade. Foi criada uma comissão para estabelecer uma política nacional sobre criatividade.

... À qual presidiu. O que é que aconteceu?

No relatório definimos o que era criatividade e como pô-la no terreno. Era preciso mexer nos currículos, estabelecer parcerias. O Governo não ficou muito entusiasmado, mas nós já esperávamos aquela reacção porque o relatório foi além do que foi pedido. O Governo não queria que mexêssemos muito, esperava que recomendássemos um tempo no horário para a criatividade, de preferência à sexta-feira, depois do almoço. O que aconteceu é que trabalhámos com associações de professores, directores, e quando o relatório saiu havia uma grande expectativa. As escolas não eram contra, porque os professores acreditam que não podemos preparar os alunos para o futuro sem que eles desenvolvam a sua imaginação.

Foram feitos estudos que comprovam que os alunos ingleses que trabalharam a criatividade na escola conseguiram obter melhores resultados académicos?

Sim, há imensos estudos que mostram que o que os alunos fazem e o modo como pensam depende da criatividade. Mas os governos tendem a ser cautelosos e a aplicar políticas onde nada possa correr mal.

Mas essa foi uma medida aplicada e avaliada?

O Governo pôs em prática as recomendações mais simples. Por exemplo, recomendámos que fossem feitas parcerias e foi criada uma grande organização que se tornou independente, a Creative Partnerships, que continua a desenvolver actividades. A medida foi avaliada pela Inspecção-Geral da Educação, várias vezes. No ano passado, a inspecção concluiu que o programa tinha tido impacto nas notas dos alunos e no moral dos professores. Mas não há garantias de que, por exemplo, se tivermos um programa de música na escola, os alunos vão obter melhores resultados. Não há garantia de que, se a escola fizer tudo o que vem no relatório, tenha resultados.

Então, porque é que a criatividade é tão importante?

O modelo educativo continua a assentar no industrial.

Como se a escola fosse uma fábrica?

Sim, e já não é assim. O futuro depende da capacidade de inovar, criar novos tipos de emprego, novas oportunidades. É o que a China, Singapura, Hong Kong estão a fazer: investir na criatividade, na inovação, nas novas ideias. A criatividade permite desenvolver a imaginação, dá poder para pensar de maneira diferente.

A criatividade pode ajudar a sair da crise económica?

Nada mais o fará!

Como?
Eu não sei como, mas sei que, por exemplo, para um país como Portugal, o futuro da economia será construído a partir do génio do povo, da sua criatividade em criar novas empresas, novos trabalhos, novas infra-estruturas. A criatividade é o coração de tudo isso, do descobrir novas oportunidades. Há ideias muito simples como o papel higiénico de cor preta [uma ideia portuguesa]. É assim que surgem novos negócios. Foi o que aconteceu com a Internet, as redes sociais. É preciso que sejam negócios sustentáveis. Todo o crescimento económico tem por base o engenho humano. Quanto mais pudermos inovar, melhor!

Não vivemos em conflito permanente? Já não podemos dizer aos nossos filhos “Estuda para teres um bom futuro”, mas queremos que permaneçam na escola.

Sim. Há gente que sai da universidade para o desemprego, e quando tem trabalho, os empregadores descobrem que não tem aptidões. Mas não devemos desencorajar ou dizer que é uma perda de tempo estudar. A verdade é que já não há garantias e, por isso, nem todos precisam de ir para a universidade. Há miúdos que foram obrigados pelos pais a ir e agora não sabem o que fazer, mas há outros para quem o sistema educativo funciona na perfeição.

O Elemento fala de várias personalidades que não fizeram o caminho educativo esperado e que tiveram sucesso. Mas isso não acontece com todos, pois não?

O livro fala de como os talentos humanos são muitos e diversos e de como podemos criar as nossas próprias oportunidades. Frequentemente, os pais empurram os filhos numa direcção, com a melhor das intenções, e eles nem sempre beneficiam com isso.

O sistema educativo precisa de mudar?

Estará a mudar? Nos EUA há mais testes, mais avaliação dos professores, as escolas são penalizadas se não conseguirem os resultados esperados, há rankings que desmoralizam os professores e os directores. O que é que se ganha com isso? Fala-se de eficiência para a educação como para a indústria automóvel e não se pode aplicar esse conceito nas escolas. Tem sido um desastre e em Portugal provavelmente também.

Qual é o segredo das boas escolas?

Ter bons directores, bons professores, uma boa relação com a comunidade. Os professores é que são o sistema educativo e não o Ministério da Educação. É senso comum. Aceitamos a diversidade nos restaurantes, na arquitectura, na música. Em todo o lado procuramos a diversidade, por que não na escola? Queremos que estas sejam todas iguais, mas não são máquinas, são organismos vivos.

Se tratamos os alunos como se não fossem indivíduos, com talentos reconhecidos, eles não podem interessar-se pela escola. O sistema educativo mata a criatividade das crianças. Os políticos não compreendem e acham que a solução está em normalizar tudo.

Não sabem que não resulta?

Não está a resultar, os alunos continuam a abandonar a escola. É preciso regressar às origens, a uma educação mais pessoal, mais comprometida, onde se criam oportunidades para as pessoas desenvolverem os seus talentos, seja na matemática ou a tocar violoncelo. A experiência diz-me que se descobrirmos uma coisa em que somos bons, conseguimos ser melhor em todas as outras em que somos menos bons.

Pode descobrir-se “o elemento” em qualquer idade?

Muitos não encontraram os seus talentos, muitos nem sabem que os têm e passam pela vida sem grande prazer naquilo que fazem. Mas há outros que acordam de manhã e adoram o que fazem. Que estão no seu elemento. É preciso amar o que se faz para se estar no seu elemento. Parte da razão por que as pessoas não descobriram os seus talentos é porque não tiveram essa oportunidade. É preciso procurar. As escolas não ajudam, mas também pode haver dificuldade da nossa parte.

É possível descobrir o elemento e querer abandonar tudo para o concretizar? E como lidar com a frustração quando as coisas não correm tão bem como aos famosos?

Eu vejo a frustração daqueles que não gostam do que fazem e pergunto-lhes: “Qual é o preço que está disposto a pagar?” Mas uma pessoa só deve arriscar se não se sentir feliz com a vida que tem. Há muitas pessoas que, além daquilo que fazem no dia-a-dia [em termos profissionais], concretizam os seus sonhos de outra forma, são os “amadores”. Não é preciso viver daquilo que se gosta de fazer. Não digo que todos devam sustentar-se do seu sonho. Mas as pessoas têm de ter a certeza de que têm direito a concretizar os seus sonhos. A atitude é muito importante, bem como a oportunidade.

Fonte: PÚBLICO

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