sexta-feira, 12 de junho de 2009

OPINIÃO > Nuno Rogeiro: «Notas apocalípticas»

Nova ordem ― Não vale a pena chorar sobre o leite derramado. Mas, como nos anos 30, face às crises económicas, ao colapso dos banqueiros, ao desprestígio dos políticos e ao crepúsculo dos parlamentos, erguem-se grupos populares e populistas, legiões tribais e clãs de protesto, salientando que a Europa deve arrepiar caminho. A maior parte destes clubes de “pensamento e acção” tem, como programa, a simples revolta. Não possui ideia sobre o que deva ser a “nova ordem”.

Ainda.

Tróia e os Cavalos ― José Bové é uma espécie de Obélix, disposto a partir os restaurantes de “fast food”, para salvar os javalis e os menhires.

Cohn Bendit (os inimigos chamam-lhe “Con Béni”, ou “imbecil ungido”), esse, já possui os planos da pólvora.

E o BNP inglês quer (quase) todos os imigrantes lançados à Mancha. Ou assim diz a caricatura.

Por outras palavras, o “partido do não” (à Europa) existe e não existe.

Existe, porque ganha dezenas de deputados. Não existe, porque não tem coesão interna, nem ideias comuns.

Mesmo o “Não” é diferente, de família para família: uns não querem a federação (quem quer?), outros não querem uma confederação, ou uma aliança flexível de estados. Uns não querem a Europa política, outros não querem sequer a económica. Uns querem regressar antes do Tratado de Maastricht, outros ao continente antes do acordo fundacional de Roma, outros à Europa dos séculos XVIII e XIX, quando não à Idade Média.

De qualquer forma, todos estes “nãos” engrossam um “Não” na assembleia final. Serão, certamente, Cavalos de Tróia no parlamento, obrando para a destruição do projecto que o fundamenta.

Mas não é isto a “democracia”?

Lei Marcial ― Para alguns impacientes e descorçoados, tudo se resolveria com medidas administrativas. As massas não votam? Sufrágio obrigatório. As massas não votam como deviam? Interdição dos partidos “perigosos”. As massas não querem ir para onde as “elites” as conduzem? Todo o poder à vanguarda esclarecida. As massas não se mexem? É preciso obrigá-las a ser livres. As massas não têm pão? Que comam brioche.

Já vimos isto: é o catálogo dos erros mortais dos “iluminados”. Também eles merecem o seu cadafalso.

Até porque há cada falso…

O socialismo nunca existiu ― Uma versão piedosa diz que o Socratismo foi desmantelado, nestas eleições, porque teve (coitado) de governar o país na crise, com sacrifício, fazendo das tripas coração. Ora a verdade é que os partidos socialistas foram aniquilados por toda a Europa, quer estivessem no governo ou contra. Perderam rotundamente, quer aparecessem como o rosto da crise, quer como a salvação dela. Em poucas palavras, perderam pelo seu carácter “anfíbio”, pelas palavras oportunistas, pela falta de ideias, pela ausência de palavras, até pela má qualidade dos trocadilhos.

Por outro lado, nem todos os partidos no poder, ou colados à crise, perderam. Pelo contrário: vejam-se os casos de Merkl, Sarkozy e Berlusconi, todos fortalecidos, apesar de serem “bêtes noires” dos “inteligentes” de esquerda. E de Saramago.

Como me dizia um ex-trotskysta, hoje convertido em grande “resistente” ao “neofascismo” italiano: “o povo é tramado!”.

Pois é. Tem o mau hábito de não se deixar “formar” pelos “formadores de opinião”. E de pensar pela sua própria, e colectiva, cabeça.

E agora? ― Espera-se que todos ganhem bom senso, razoabilidade e humildade. Não estamos em tempo de Napoleões do quinto esquerdo.

Fonte: Jornal de Notícias [12.06.2009]

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