domingo, 21 de junho de 2009

OPINIÃO >Fernando Madrinha: «Pode alguém ser quem não é?»

O país político e mediático discutiu esta semana duas questões momentosas do foro psicanalítico sem o esclarecimento das quais, juram líderes e gurus, Portugal não singrará. A primeira é a metamorfose do “animal feroz” em “português suave”, conforme enunciado e tese do grande mestre em frases de belo efeito que continua a ser o ex-director do defunto “O Independente”. Trata-se de avaliar se, com a derrota nas europeias, o primeiro-ministro se tomou mais humilde e cordato, como pretendem as oposições, enquanto intérpretes únicas e fidelíssimas daquilo que será o desejo dos eleitores... incluindo os do PS. Se mudou, isso significa que cede ao oportunismo e ao marketing eleitoral, pecado em que as oposições jamais caíram ou cairão, como se sabe. Se Sócrates não mudou, então isso quer dizer que se tomou irrecuperável para a sociedade política da modéstia, da autenticidade e das boas maneiras, qualidades que são, como também é sabido, apanágio de todos os líderes em Portugal. Basta olhar para Paulo Portas e Francisco Louçã.

A segunda questão em debate é de natureza ainda mais complexa e visa a explicação da dita mudança de estilo e de atitude. Como o paciente no psicanalista, Sócrates tem de começar por reconhecer os erros e nomeá-los um a um. Sem essa confissão prévia, não tem cura possível... embora com ela também não tenha. Se enumerar todos os erros que cometeu, as oposições dirão que, por causa deles, o primeiro-ministro não merece ser reeleito. Além de que o próprio acto de assumir os erros será sempre, claro está, um mero exercício de falsa humildade. Se se recusar a fazê-lo, tal quer dizer que continua arrogante e intratável, que nada aprendeu com a derrota nas europeias e que, por isso, não merece ser reeleito. É muito fácil, como se vê, ser oposição em Portugal nos dias que correm.

Tudo isto poderia fazer algum sentido se os pecados de Sócrates estes que agora lhe apontam de assumir uma pose diferente depois de ter perdido as europeias fossem um exclusivo seu. O censurador CDS/PP, por exemplo, já foi, sob a mesma liderança de Paulo Portas, várias coisas e o seu contrário. E, quanto a poses e atitudes, arrogância e falsa humildade, o mínimo que se pode dizer é que Sócrates tem muito a aprender com os outros líderes exceptuando talvez Jerónimo de Sousa e com pelo menos dois terços da classe política, para não falar de outros sectores que lidam de perto com ela.

Se assim não fosse, jamais o primeiro-ministro teria dito a tal frase suicida na SIC-Notícias. O “estou muito contente comigo” é uma pérola que vai ser exibida e glosada até à exaustão nos tempos de antena para as legislativas. E o curioso é que ela diz tudo sobre a propalada mudança de Sócrates, desmentindo-a categoricamente e respondendo com um ‘não’ rotundo à pergunta da canção de Sérgio Godinho: “Pode alguém ser quem não é”?

No fim desta semana de catarse pós-eleitoral, feita com uma moção de censura inútil e uma entrevista falhada, o mais certo é as oposições descobrirem que, afinal, o ‘animal feroz’ não mudou assim tanto. Só por desvario, aliás, é que um chefe de Governo sem tempo nem margem para mudar de políticas ou de ministros, hipotecaria a sua própria imagem a um tacticismo eleitoralista cujo único efeito seria afastar os fiéis, depois de todos os outros o terem abandonado. Sócrates pode estar politicamente fragilizado, mas não consta que tenha ensandecido.

Expresso N.º 1912 | 20 de Junho de 2009

2 comentários:

Anônimo disse...

li hoje este artigo no expresso, enquanto saboreava o sol à beira-mar. uma análise honesta e inteligente. é claro que Sócrates podia ser quem não é, se quisesse e soubesse mentir e manipular muito bem. Ainda bem que não. Ainda que eu considere que viesse a lucrar mais, politicamente, se o fizesse do que mantendo a sua rota, que continuará a trazer descontentamento social. Por isso, mais que nunca, continuo a confiar nele. a gostar dele. E acho que agora mais que nunca, revelou o 'escrúpulo democrático' que ele mesmo realçou e que nunca antes vi algum político ter. Mas será que a maioria dos portugueses ainda valorizam escrúpulos e integridade?

TELMO BÉRTOLO disse...

A análise também me pareceu «honesta e inteligente», por isso a coloquei aqui. Mas, aconselho-o(a)a não se servir apenas das suas lentes cor-de-rosa, pois elas apenas lhe mostrarão o que quiser ver... Tem o direito de gostar dele e de confiar nele. Não é o meu caso! Não simpatizo nada com políticos arrogantes, que julgam que os votos lhes dão legitimidade para fazer seja o que for e que não sabem ouvir os outros...