terça-feira, 16 de junho de 2009

OPINIÃO > Daniel Sampaio: «Os pais e os exames»


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unca esqueço um estudante de Medicina, meu aluno de Psiquiatria na Faculdade, a relatar um conflito familiar em período de exames: “Professor, o que mais me custa nesta época é a constante crítica dos meus pais, sempre a dizer que não devo estudar pela noite fora, porque assim fico mais cansado... e que a posição em que estudo não é boa para a coluna... até parece que não tenho bons resultados!"”

Este jovem estudava sempre deitado na cama, com os óculos na ponta do nariz e um refrigerante na mesa-de-cabeceira. Dormia de manhã, passava toda a noite a estudar e como tinha muito trabalho faltava às aulas no mês que precedia as avaliações. O que interessa nesta estória é que todos tinham razão: era verdade que os pais não deviam criticar, pois os resultados eram excelentes, mas o método de estudo não era recomendável e poderia ter tido consequências negativas.

Em época de exames (eles aí vêm...) toda a família vê aumentar a ansiedade. Por isso, vale a pena reflectir sobre qual o melhor caminho a seguir.

Em primeiro lugar, os pais devem compreender que o estímulo aos filhos deverá ser a sua principal atitude. Mesmo que o trabalho não tenha sido intenso durante o ano escolar, interessa perceber que os objectivos poderão ser atingidos através de bons resultados no final do ano. O estímulo positivo é a melhor forma de neutralizar os receios: em situação de medo, a informação que chega ao cérebro e que não contribui para o sistema de autodefesa é ignorada, por isso interessa enviar ao aluno comentários positivos e nunca aumentar as críticas ou ameaças, como promessa de castigos ou lamentos sobre os “sacrifícios” dos pais.

O estudante tem de se sentir seguro afectivamente para que a preparação do exame possa resultar, por isso a sua auto-estima e confiança devem ser reforçadas pelos pais. É evidente que sem um mínimo de trabalho nada se conseguirá e é bom que os progenitores e encarregados de educação não se sirvam de desculpas psicologizantes para justificar fracassos escolares. Falo da necessidade de os pais poderem transmitir confiança através da responsabilidade que comunicam aos filhos: estes serão mais responsáveis se forem estimulados a trabalhar (desde muito novos) e se receberem palavras de encorajamento e não de anulação da sua capacidade.

A retroacção é necessária, por isso convém que os pais continuem, em época de exames, a estimular a análise dos processos de pensamento e dos métodos de estudo. Sem crítica, os pais do meu aluno de Medicina poderiam ter questionado se não seria mais saudável estudar de dia (sono mais repousado porque com menos ruído à volta, informação a passar da memória de curto prazo para a memória de longo prazo sobretudo durante o sono tranquilo) ou sentado numa mesa com boa iluminação e posição correcta (risco de patologia da coluna por postura incorrecta). A reflexão sobre os próprios processos de pensamento e aprendizagem conduz a uma melhoria de resultados, até porque ajuda o cérebro na preparação de tarefas mais complexas.

Os pais também se preocupam com a alimentação dos filhos em época de exames e às vezes sobrecarregam-nos com refeições hipercalóricas. Interessa saber que as regras de uma alimentação saudável devem ser mantidas ou até reforçadas, com ênfase nos pequenos intervalos entre as refeições (não mais de três horas, ao longo do dia, sem ingerir alimentos) e um especial cuidado com o pequeno-almoço.

Os medicamentos só devem ser utilizados com receita médica. Não se deve recorrer a produtos comerciais muito divulgados, em regra sem qualquer efeito; e muito menos devem ser recomendados psicofármacos sem vigilância clínica, podendo mesmo dizer-se que fazem mais mal do que bem.

O papel dos pais é o de assegurar um ambiente de privacidade sem isolamento do estudante, de modo a que ele sinta a tranquilidade necessária para o seu trabalho. Bons exames!

PÚBLICA 14.06.2009

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