José Sócrates continua o “animal feroz” que disse ser, ou é o “português suave”, agora investido? O comoventíssimo problema tem queimado as meninges dos augustos comentadores da política nacional. Está mais sereno, está mais humilde, está mais modesto e menos arrogante ─ disse-se e escreveu-se. Há duas semanas que esta gente tem agido segundo os princípios de um pensamento feito de frivolidades e de absurdos; e o próprio primeiro-ministro, tão reservado em assuntos realmente graves, não resistiu à tentação da irresponsabilidade e respondeu-lhes. Não há prova histórica da mudança: “Eu sou o mesmo” e “não mudo de rumo”. Parece um fado e, se calhar – “Chorai guitarras, chorai” ─, é o nosso próprio e redondo destino.
Estas minudências são o retrato oval de uma democracia de superfície, que nos incita à renúncia de pensar. Eis o que nos sussurram: as coisas são como são, e deixem a política para os políticos. Não é bem assim. Há muitos anos, conversando com o saudoso prof. Pereira de Moura, disse-lhe, a páginas tantas, que não percebia nada de economia. Respondeu-me: “Mas sabe a tua mulher quando vai à praça.”
A três meses de eleições fulcrais vivemos numa farsa sem graça e numa história aos quadradinhos. Pacheco Pereira demonstra a calamitosa ausência de humor que o caracteriza, e espirra-canivetes quando Luís Filipe Menezes lhe chama “a loira do PSD”, numa analogia (ou metáfora?) experimental e divertida. Menezes tem sido o alvo privilegiado do Pacheco, mas aquele é muito melhor, mais inteligente e culto do que a maioria dos que este tem apoiado e incensado.
Fogo-de-artifício. É só. Nada do que é importante tem sido debatido, porque a estratégia é impedir-nos de pensar e de agir. Quando a dr.ª Manuela Ferreira Leite aplaude o “manifesto” de 28 economistas (alguns não o são, nem coisa que se pareça), reivindicando o conteúdo do documento como se de ideias suas e antigas se tratasse, a natureza profunda da iniciativa fica destapada. É um texto de abolição, uma birra de gente, certamente estimável, mas com pouco para dizer. De qualquer das formas, o documento não corporiza o antagonismo que pretende representar, além de não indicar, não sugerir, não propor: somente protesta. Para protestar, os 28 são inúteis. Para isso, cá estamos nós. Vamos à praça e contamos os tostões. Não me parece que os signatários estejam em baixo de fundos, e muito menos que foram, unânime e piedosamente, movidos por um escaldante amor ao povo.
Todo este folclore não é cândido. O que está em causa é irresumível nessa espécie de competição de caracteres entre Sócrates e Manuela.
Fonte: Diário de Notícias [24.06.2009]
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