sábado, 11 de abril de 2009

Moinhos de Cabeceiras alvo de estudo

Assisti hoje à sessão de apresentação do livro «Moinhos de Cabeceiras de Basto ― apontamentos de conservação», da autoria da Arquitecta Inês Gonçalves. A autora fez uma apresentação detalhada da obra, sublinhando que importa preservar este património.

O Presidente da Câmara Municipal enalteceu o trabalho da Arquitecta Inês Gonçalves, sublinhando que ele é um forte contributo para um conhecimento melhor das raízes deste povo, o que explica o apoio da autarquia à publicação deste trabalho ― a Prova Final para a Licenciatura em Arquitectura da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto 2006/ 2007.

Após esta apresentação do livro referido, seguiu-se uma visita guiada à exposição alusiva ao tema, patente ao público na Casa da Cultura de Cabeceiras de Basto, mais conhecida como Casa do Barão.

Foi com muita satisfação que estive presente nesta iniciativa, pois procuro ter um conhecimento cada vez maior do património desta terra. Embora não seja a minha terra natal, aqui decidi viver há mais de 20 anos. Por outro lado, a Inês foi minha aluna há já alguns anos, e uma daquelas alunas que faz feliz qualquer professor: humilde, respeitadora de regras, aplicada e fazendo os seus trabalhos sempre com satisfação. Por isso não é de estranhar que a Inês já tenha atingido este patamar.

Aqui deixo a transcrição das Considerações finais, incluídas na obra supracitada:

«Os moinhos são testemunho de um passado recente, de uma economia rural na qual se baseava o sustento da população.

Contudo, as transformações ocorridas na indústria de moagem, onde o vapor determinou uma nova era energética e tecnológica, traduziram-se na decadência dos sistemas tradicionais, tendo naturalmente repercussões na degradação dos testemunhos correspondentes.

Em Cabeceiras de Basto, a significativa expressão quantitativa de moinhos no concelho evidencia a sua importância como actividade transformadora no contexto socioeconómico da região.

A morfologia das construções, as formas de exploração, a sua localização face aos povoados e a utilização dos materiais locais ajustados aos sistemas tradicionais, entre muitos outros aspectos, coadunam-se com as áreas geográficas onde se inserem, reflectindo as condições sociais, económicas e físicas da área.

Essa relação privilegiada com o meio, ao qual se adaptam e exploram as suas particularidades, enquadra os moinhos no âmbito da arquitectura popular. pondo em evidência as suas características “ecológicas” e pragmáticas.

Assim, embora condicionada por limitações de várias ordens, quer materiais [das matérias-primas, conhecimentos técnicos, etc.], quer socioculturais [economia, família, etc.], os moinhos desenvolvem-se tão harmoniosa quanto possível com a envolvente, respeitando a natureza, demonstrando o entendimento do lugar e a dimensão do Homem. São fundamentalmente construções que reflectem um grande equilíbrio, de onde se pode retirar muitos ensinamentos.

A sua noção e prática espontânea de organização no território imprimem na paisagem profundas marcas humanas que expressam um modo de vida, símbolo de uma forma de cultura e, como tal, constituem um exemplo rico de ensinamentos que devemos procurar preservar e recuperar, pois fazem parte do nosso património cultural.

Neste sentido, passados cerca de 30 anos desde o início da grande vaga de desactivação dos moinhos de Cabeceiras de Basto, encontramo-los inscritos num cenário inerte, esquecido, sem atenção e soluções, contrastando com a participação activa na definição das paisagens de outrora. Desses tempos idos, restam em muitos casos as suas grossas paredes que teimam em resistir ao tempo.

Face ao exposto, os moinhos enquadram-se nas “obras modestas que adquiriram com o tempo um significado cultural”, já referido na Carta de Veneza de 1964, aproximando-se de definições que vão ao encontro de “bens culturais”, à “reserva de memória”, à qual anda associado o alargamento do conceito de património.

A necessidade de responder a este alargamento de conceitos implica a reformulação de instrumentos e métodos de intervenção, assistindo-se actualmente a um conjunto de termos cada vez mais diversificado que abrange restauro, reabilitação, recuperação, revitalização, conservação, etc., métodos que procuram adequar-se à situação de mudança do momento, sujeito a um processo de evolução contínuo.

Perante a realidade particular do concelho, a protecção da herança cultural deve procurar equilíbrios, onde sejam avaliadas as questões ligadas à utilização/ protecção, desenvolvimento/ conservação, economia/ controlo.

O trabalho de levantamento, além de ter permitido a caracterização da moagem tradicional do concelho e a compreensão das suas permanências e particularidades, expôs um território repleto de relações e acções imateriais, que têm tanto valor como os moinhos enquanto construções que expressam identidade.

Da análise, fica a riqueza tipológica dos engenhos, a originalidade de algumas soluções encontradas e o carácter excepcional da forma como estas construções se inserem no território.

Da conjugação destes parâmetros resultou o entendimento da necessidade da salvaguarda como um todo, a salvaguarda do “património associado”, fundamental para o real entendimento dos moinhos. Implica conjugar a protecção dos moinhos com a valorização dos seus múltiplos sistemas com as relações vivenciais que lhe estão associadas, valorizando a vertente imaterial da herança cultural, ligada às práticas tradicionais.

No último capítulo são apontadas algumas estratégias possíveis de intervenção no espólio molinológico que procura dinamizar os vários recursos e agentes da comunidade, atendendo à necessidade de procurar uma incidência social positiva nas decisões tomadas.

Procura-se apoiar a viabilidade das intervenções na “sustentabilidade” das próprias comunidades, defendendo a necessidade de consertar estímulos para iniciativas de índole socioeconómica, agrícola, gastronómica, etc., que contribuam para a fixação das povoações, procurando inverter a tendência de abandono com que as áreas rurais são flamejadas.

Em suma, as acções de salvaguarda não podem restringir-se aos moinhos enquanto objectos isolados do seu contexto e enquadramento sociocultural. Pretende-se alcançar, com a salvaguarda, uma coesão económica e social, com a finalidade das intervenções conjugarem a valorização da herança cultural com o desenvolvimento sustentável das áreas em que se inserem, cientes que dela depende a vitalidade da comunidade e a salvaguarda dos aspectos intangíveis associados aos moinhos.

Sendo eu natural de Cabeceiras de Basto, este trabalho foi encarado por mim como um esforço no sentido de pôr ao dispor da comunidade a investigação que realizei. Entendo que estou a dar o primeiro passo para a divulgação e conhecimento de uma parte específica do nosso legado cultural. O estudo e valorização dos moinhos é, a meu ver, a “entrada” na história do povo anónimo.

O trabalho de campo e a investigação realizada resultam, inequivocamente, para mim, numa mais clara consciência dos problemas locais, mas igualmente da riqueza do seu património cultural. Deixo com este ensaio uma visão do percurso que me levou à descoberta dos moinhos de Cabeceiras de Basto, que gostava de partilhar.»

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