O que me assusta em todo o processo Freeport é a insensibilidade da investigação para a urgência do caso, aliada à insensibilidade do primeiro-ministro para a liberdade de expressão
Mário Soares ― com o devido respeito e amizade que por ele tenho ― não tem razão quando afirma que Sócrates não devia falar do caso Freeport.
Felizmente, o primeiro-ministro não seguiu o conselho e falou.
Mas, entendamo-nos: não basta a Sócrates dizer que confia na Justiça! Como bem salientou Clara Ferreira Alves, em comentário à entrevista no Expresso.pt, se a Justiça fosse de confiança, não tínhamos chegado a este ponto. Sócrates, já aqui o defendi, tem de ser proactivo na sua defesa, porque Sócrates não é um cidadão qualquer.
Ora, a investigação não nos tranquiliza. Apenas disse que talvez lá para o fim do ano tenha o caso esclarecido. Para o fim do ano ― convém recordar ― é depois das legislativas. E, pese o preceito de que toda a gente é inocente até condenação transitada em julgado, é estulto pensar-se que é indiferente Sócrates ir a votos com o país convencido da sua inocência ou com o país dividido acerca disso.
A convicção é um dos estados mais difíceis de explicar, por isso mesmo o eleitorado precisa e tem o direito de ter mais do que convicções. Precisa de factos.
Como, por exemplo, saber por que motivo Charles Smith falou de Sócrates como falou. O primeiro-ministro já o processou (bom passo). Mas o MP deveria dizer-nos em que ponto estamos: Smith é, ou não, um mentiroso? Ainda são precisos mais seis meses para saber isto? Ou o MP tem, ainda, dúvidas sobre Sócrates, apesar de não o constituir arguido? Se não tem dúvidas devia declará-lo solenemente e não com as evasivas do costume. O contrário disso é dar sinais de que duvida. Sinais que são escondidos pelo célebre segredo de Justiça sempre violado.
É este o mal. Infelizmente, Sócrates prefere disparar contra televisões e jornais a falar claro e colocar tudo em pratos limpos. O que disse da TVI (canal propriedade da Prisa, próxima do PSOE, num negócio que acarinhou) pode corresponder ao que pensa. Mas esqueceu-se de acrescentar que a TVI faz um jornalismo que, por militante que seja, é legítimo. A fúria em processar jornalistas, a incompreensão sobre a liberdade de expressão ― que serve também para poder atacar o líder do Governo ―, não é bom sintoma.
Na verdade, governar e aturar a “rapaziada dos jornais” é difícil. Mas Sócrates tem mesmo de se contentar com isso. Pode pensar que seria bem mais fácil se não houvesse esta gente toda a chatear. Mas governar sem imprensa livre (e livre para asneirar), toda a gente sabe o que é. Tanto mais que passam hoje 35 anos sobre o 25 de Abril.
Henrique Monteiro
Expresso N.º 1904 | 25 de Abril de 2009
Nenhum comentário:
Postar um comentário