Parecer
Cortes do sector público são ilegais
por CARLOS RODRIGUES LIMA
Catedrático de Direito fez parecer para magistrados em que diz que medidas do OE são ilegais porque não incluem sector privado.
Ou todos contribuem para o défice ou o esforço exigido apenas aos funcionários da administração pública é inconstitucional por violação dos princípios da igualdade e da justiça. Esta é, em síntese, a posição de Paulo Otero, professor catedrático na Faculdade de Direito de Lisboa, que elaborou um parecer para o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP). No documento, que foi anexado aos processos avançados pelo SMMP para contestar os cortes salariais, e a que o DN teve acesso, o professor considera que não podem ser apenas e só os funcionários públicos a fazer sacrifícios.
Paulo Otero, professor na mesma faculdade que Jorge Miranda — que fez um parecer para o Governo defendendo a constitucionalidade dos cortes salariais —, até entende que em casos de necessidade, o Estado possa cortar os salários e avançar com medidas de sacrifício. Porém, tal deve ser estendido a todos os trabalhadores, públicos e privados: “A uns é exigido um sacrifício que, em condições de igualdade remuneratória mensal, a outros não é exigido, sem que essa diferenciação de tratamento tenha qualquer justificação aceitável, sabendo-se ainda, por outro lado, que o benefício da redução do défice orçamental a todos vai aproveitar.”
Mas, como o Estado não pode cortar directamente os salários dos trabalhadores das empresas privadas, Paulo Otero sugere medidas a nível fiscal que repartissem os sacrifícios e não onerassem apenas os funcionários públicos: “Nada impediria que a redução dos vencimentos de todos os restantes trabalhadores [privados] fosse efectuada através de retenção na fonte pela entidade patronal, impondo a devolução de tais montantes aos cofres do Estado no mês imediatamente seguinte, tal como sucede com o IVA.” Porque, segundo o professor catedrático de Direito Constitucional, o que está em causa no Orçamento do Estado para 2011 é “uma solução legal que, envolvendo uma iníqua repartição de encargos públicos, fazendo, arbitrariamente, uns pagar para o benefício de todos, gera uma desigualdade que lesa o princípio da justiça”.
Refira-se que, durante a campanha eleitoral para as presidenciais, Cavaco Silva chegou a questionar por que motivo só os funcionários públicos foram afectados pela redução salarial (sendo certo que, como Presidente da República, Cavaco Silva promulgou o Orçamento do Estado para 2011). “Não foram pedidos sacrifícios a outras pessoas com rendimentos muito maiores”, apontou o então candidato.
O DN procurou obter junto do Ministério das Finanças uma cópia do parecer pedido pelo Governo ao professor Jorge Miranda, de forma a comparar os argumentos de ambos os catedráticos de Direito. Porém, e apesar de o documento ter sido pago com dinheiros públicos, o ministério de Teixeira dos Santos não o divulga.
No documento entregue ao SMMP, Paulo Otero considera que está ainda em causa o princípio da proporcionalidade — algo contestado por Vital Moreira (ver nestas páginas) —, uma vez que tal princípio “impõe que o recurso a meios lesivos mais graves ou mais intensos só seja desencadeado se se mostrarem esgotadas ou ineficazes as soluções menos gravosas”. No caso concreto das reduções salariais aplicadas à administração pública, conclui o professor: “A solução em análise, impondo reduções das remunerações dos trabalhadores, sem esgotar previamente outras vias de prossecução do propósito de consolidação orçamental, mostra-se atentatória do princípio da proporcionalidade.”
O SMMP deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa com duas acções para tentar travar os cortes salariais decretados para a administração pública. Os procuradores, porém, estão numa situação delicada — a que o parecer de Paulo Otero procurou dar resposta e esclarecer.
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