Pare, SCUT e cobre
10/09/10 00:04 | Helena Cristina Coelho
O Governo podia inspirar-se no ‘slogan’ que um banco português criou há uns anos para promover a adesão aos seus cartões de crédito.
A estratégia passava por atrair clientes a quem, em troca do uso do seu cartão, era oferecido um brinde. Mas o mais marcante dessa campanha foi mesmo a expressão que acabou por entrar nos ouvidos de todos: “Não tem cartãozinho? Então não tem premiozinho...”, diziam as personagens dos anúncios em tom sarcástico.
Agora que as portagens nas SCUT vão mesmo avançar, os responsáveis das Finanças e das Obras Públicas podiam inspirar-se nessa ideia para promover a venda dos controversos dispositivos electrónicos de cobrança. Qualquer ideia como “não tem ‘chipzinho’? Então não tem descontozinho...”, agarraria decerto a atenção dos milhares de automobilistas que, depois dos últimos anos a percorrerem auto-estradas livres de portagem, terão agora de pagar por cada passagem. O identificador, contudo, vai ter aqui mais importância do que se imaginava no início. É que, como anunciou ontem o ministro das Obras Públicas, António Mendonça, quem quiser beneficiar dos descontos no pagamento de portagens, terá mesmo de ter o dispositivo electrónico de matrícula, essencial para se fazer a cobrança. Não tem? Então já sabe: não há descontozinho.
O regime agora aprovado pelo Governo para as SCUT prevê um regime de discriminação positiva para cidadãos e empresas que residem em concelhos que, dentro de uma área metropolitana (Norte Litoral, Grande Porto e Costa de Prata), se situem a dez quilómetros da via até agora gratuita. Isentos estão também os concelhos fora das áreas metropolitanas que fiquem a 20 quilómetros de distância. As novas regras prevêem a isenção de pagamento nas dez primeiras passagens mensais e um desconto de 15% nas restantes. Desde que o automobilista, claro, tenha o ‘chipzinho’.
Só que — tal como os almoços —, também não há descontos nem isenções grátis. E este pacote de benefícios vai custar qualquer coisa como 200 milhões de euros. São menos 40% de receitas que o Estado vai arrecadar ou, se quisermos ver as contas pelo lado de quem realmente as sustenta, é quanto os contribuintes portugueses irão pagar para manter um regime de excepção nas auto-estradas.
Uma SCUT, recorde-se, é uma sigla que abrevia a expressão “sem custo para os utilizadores” e define uma auto-estrada em regime de portagens virtuais, cujos custos são suportados pelo Estado português — apenas os encargos com a construção e manutenção das vias ficam nas mãos de uma empresa concessionária. Com a mudança de regime, o desejável seria que apenas quem utiliza a via, pague a portagem, e não os impostos dos contribuintes. Mas não: mesmo mais pequena, a despesa continuará a ser paga pelos contribuintes. O país vai entrar no regime do páre, SCUT e... pague. Mesmo que passe a milhas da portagem.
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Helena Cristina Coelho, Subdirectora
helena.coelho@economico.pt
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