A |
dr.a Manuela Ferreira Leite disse numa entrevista que aceitaria “qualquer solução de governo” em que lhe acontecesse “acreditar” e em que houvesse “conjugação de esforços e, sobretudo, acordo sobre o interesse geral do país”. Sucedeu, como costuma suceder à dr.a Manuela, que antes da entrevista ser transmitida (fora gravada) já ela desmentira esta declaração surpreendente. Surpreendente não em si própria e na sua extraordinária ingenuidade, mas porque parecia admitir uma eventual aliança com o PS, há mais de 20 anos conhecida por “Bloco Central”. Os “notáveis” do partido, a começar por Pedro Passos Coelho e Ângelo Correia, protestaram logo, com bastante acrimónia, e a arrependida Manuela teve de lembrar que já um dia prometera que só “doida” faria uma aliança com o PS.
Como não consta que ultimamente endoidecesse, uma escola de espírito resolveu sustentar que ela apenas queria responder como boa discípula ― e protegida ― ao apelo do dr. Cavaco para que o PS e o PSD se preocupassem com “o problema da governabilidade” (coisa que na prática não significa nada) e se esforçassem por “estabelecer consensos” (coisa que ainda significa menos). Não é bom levar esta teoria muito a sério. Embora o dr. Cavaco goste, de quando em quando, de se aliviar de umas frases grandiloquentes sobre a Pátria, não lhe passaria, em princípio, pela cabeça apadrinhar um conúbio vil entre o PS e o PSD (muito principalmente antes das legislativas), que o tornaria o principal responsável de um desastre sem justificação ou lógica.
Por mais que preze o sossego, a disciplina e a obediência da sociedade portuguesa, Cavaco calcula com certeza ao que levaria o estranhíssimo regresso do Bloco Central. O Bloco Central de 1983-85 nasceu de uma política imposta do exterior a Portugal inteiro, mais precisamente pelo FMI. Um Bloco Central, nascido do feliz falecimento da maioria absoluta de Sócrates, juntaria duas políticas sem síntese ou conciliação possível e desde o primeiro momento levantaria contra si a extrema-esquerda (o PC e o Bloco), a direita (o CDS) e a gente (suponho que bastante) do PSD e do PS que não estivesse disposta a dar uma completa cambalhota ― Santana Lopes de um lado, por exemplo; Manuel Alegre do outro. Nem o dr. Cavaco, nem a dr.a Manuela aspiram com certeza a transformar o país num manicómio. Um estatuto de que, de resto, não andamos longe.
Vasco Pulido Valente
Fonte: PÚBLICO [02.05.2009]
Nenhum comentário:
Postar um comentário