Uma psicóloga da escola de Setúbal decidiu fazer dos telemóveis um instrumento de trabalho dos alunos. A experiência foi um sucesso
A pergunta: Como podem os telemóveis ser utilizados na sala de aula? A resposta: às escondidas dos professores. Os alunos demoraram a perceber a pergunta da psicóloga da Escola Secundária Sebastião da Gama, em Setúbal. Afinal, são proibidos em quase todos os estabelecimentos de ensino. Eduarda Ferreira reformulou a questão. Como podem os telemóveis ajudar nas tarefas escolares dentro de uma sala de aula? Ah! Pois? Mas de que adianta responder se o seu uso continua interdito?
Eduarda Ferreira quer mudar essa premissa: “Gostava que as escolas perdessem o medo de cada vez que um telemóvel está nas mãos de um adolescente.” Até porque poucos são os alunos que cumprem o regulamento: “Em vez de ser uma ameaça porque não transformar o aparelho num aliado dos professores?” A psicóloga passou da teoria à prática e convocou as cobaias que serviram de matéria-prima para trabalhar na sua tese de mestrado ― 24 alunos do 7.º ao 9.º ano e 12 professores aceitaram participar na experiência.
As propostas dos alunos chegaram em catadupa. Usar a câmara para fotografar o quadro com o resumo da matéria, fazer vídeos para registar visitas de estudo, marcar as datas dos exames na agenda, configurar o alarme para lembrar que há trabalhos de casa a fazer, usar a internet para pesquisar, o bloco de notas para apontamentos, o bluetooth para partilhar ficheiros ou o gravador para reproduzir a aula em casa. Os professores nunca tinham pensado nisso. As ideias eram boas ― excepto uma: “Enviar sms para passar as respostas dos testes uns aos outros.” Sugestão chumbada; mas valeu a tentativa.
Em contrapartida, as mensagens podem ser usadas pelos professores: “Se enviar conteúdos por sms aos alunos, eles não resistem e vão ler”, concluiu um docente. A proposta é tentadora, mas os receios continuam a dominar: “A maioria considerou que o uso do telemóvel pode trazer benefícios desde que seja com a sua coordenação”, conta Eduarda Ferreira. Mesmo com essa condição, ainda há outro perigo: “Existe a preocupação de estar a contribuir para acentuar a dependência dos jovens do telemóvel.”
Demasiadas dúvidas para o entusiasmo dos adultos não ser tão instantâneo como o dos miúdos. Cada um deles trouxe até ao gabinete da psicóloga reportagens de vídeo sobre a escola. Mostraram em imagens e sms o que corre bem e o que corre mal na Sebastião da Gama: “Denunciaram a falta de segurança à entrada do edifício ou elogiaram a biblioteca bem organizada.” Acrescentaram ainda notícias de última hora que chegaram à caixa de correio do telemóvel de Eduarda Ferreira ― casas-de-banho que são uma “lástima”, computadores da biblioteca “muito lentos”, salas com buracos ou auxiliares de educação “mal dispostos”.
As actividades foram um êxito e tiveram mais uma vantagem: custo zero. “Qualquer uma das funcionalidades não implica encargos quer para os pais quer para a escola.” Resta saber se os professores vão aderir ao projecto: “As reacções foram positivas, mas nenhum deles manifestou intenção de concretizar as ideias dos alunos”, confessa Eduarda. Falta derrubar a maior barreira de todas: “Os telemóveis ainda são vistos pelos professores como um espaço dos jovens”, o território em que são os alunos a dominar e que pode comprometer a autoridade do professor.
Eduarda ainda não se rendeu. Conta com a cumplicidade de um grupo de docentes. Por enquanto são poucos ― oito ou nove no máximo ― e estão espalhados por algumas escolas do país. Usam os telemóveis como um instrumento pedagógico para motivar os adolescentes a participarem nas aulas e partilham os resultados num fórum que a psicóloga da escola de Setúbal criou na net: “A página www.m-escola.com serve sobretudo para os docentes não sentirem que estão sozinhos nesta tarefa”, explica.
Um dia, acredita Eduarda Ferreira, as escolas ― e, quem sabe, até o Ministério da Educação ― vão perceber que não há assim tantas razões para temer o telemóvel. “Estaríamos a dar mais um passo para encurtar a distância entre a escola e o mundo dos adolescentes.” E como as tecnologias estão em constante evolução, imagine-se as potencialidades que um objecto de bolso pode trazer para dentro de uma sala de aula.
Kátia Catulo
Fonte: i
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