domingo, 16 de novembro de 2008

OPINIÃO > Salvador de Sousa: «Desabafos de um professor (2)»

Estou triste por ver:

professores angustiados, deprimidos, desolados, maltratados com tanta burocracia e horas de trabalho infindáveis;

professores incrédulos com a teimosia do poder político que não dá valor às últimas manifestações em que a grande maioria rumou a Lisboa, ficando célebre a frase e que não pode ser mais verdadeira: «Olhem, amigos, não sei se são 120 ou 150 mil, mas uma coisa vos garanto: hoje é mais fácil encontrar uma agulha num palheiro do que um professor em casa!" (Sítio na internet da Fenprof);

professores (tão competentes!) desanimados a fugir a todo o risco, aposentando-se, perdendo quantias avultadas de dinheiro, deixando o ensino a que sempre se dedicaram com tanto carinho;

professores que deixaram os seus alunos tristes, por perderem aquele pedagogo que tanto gostavam e tanto admiravam pela maneira de ensinar e de lidar com eles;

professores que perderam aquela vivacidade que sempre tiveram, desalentados e injustiçados com tantas expectativas goradas e que, em tão pouco tempo, Ihes foram subtraídas, sendo despojados dos seus merecidos direitos adquiridos;

professores sem tempo para se dedicarem aos seus filhos, não Ihes podendo dar atenção, mesmo em casa, pelas inúmeras tarefas escolares, ainda, a desempenhar;

professores que se dedicavam de alma e coração aos alunos, não olhando a meios para que o processo interactivo – ensinar/aprender – fosse bem sucedido e agora vêem-se num “beco sem saída”, baralhados com o que se está a passar sem tempo disponível;

professores preocupados com a indisciplina nas escolas, com o facilitismo crescente, com o sucesso irreal e tantos outros atropelos;

professores atacados e ofendidos com inverdades que magoam e massacram;

professores que lutam por uma carreira única, sem divisões, premiando todos aqueles que trabalham, que lutam por um ensino de qualidade, possibilitando a subida a todos, que demonstrarem o seu mérito, na carreira;

professores revoltados por afirmações incorrectas quando se diz que nunca foram avaliados, desprezando o anterior estatuto que vincava e obrigava a uma avaliação de desempenho (artigos 39 a 57) e o Decreto Regulamentar n.º 11/98 que veio atribuir a menção qualitativa de bom que poderia ser já obtida, desde que o docente o requeresse no prazo de 60 dias subsequentes à sua avaliação com a menção de satisfaz e para o conseguir teria que ser constituída uma comissão de avaliação formada pelo presidente do órgão pedagógico, um docente exterior ao estabelecimento de ensino designado pelo respectivo órgão pedagógico e um docente ou alguém de reconhecido mérito designado pelo docente em avaliação. Isto não é desprezar uma lei ?;

professores congelados, durante alguns anos, numa carreira que obrigava a uma avaliação de desempenho e não a uma subida automática;

professores que poderiam subir, no anterior estatuto, na sua carreira pelo mérito alcançado, tendo, para isso, bonificações pelo trabalho realizado, não havendo quotas para quem provasse o seu bom desempenho. O próprio excelente estava previsto, só faltava ser regulamentado. Isto não era premiar os bons professores?;

professores com tarefas administrativas, roubando-lhes tempo e forças para o seu verdadeiro trabalho;

professores que valorizam também as novas tecnologias, mas que não concordam com a sua possível aplicabilidade exagerada, sobretudo em alunos dos primeiros anos do ensino básico. Aprende-se a escrever, escrevendo e a ler, lendo. O livro, o papel e a caneta são ferramentas essenciais para esses anos, a sua relevância deve ser mantida e o teclado aparecer como um complemento;

professores incrédulos com pareceres desmotivadores, propondo a passagem de ano de todos os alunos do ensino básico, indo provocar, a meu ver, o aumento da indisciplina, a falta de atenção nas aulas, abandono do estudo e um caos completo no ensino;

professores e alunos descontentes com as aulas de substituição, pois só teriam o seu valor se fossem dadas por professores da mesma área da disciplina em causa, caso contrário estão todos a perder tempo dentro de uma sala. Lucravam mais, nestes casos, se cada aluno destinasse o seu próprio trabalho, como ler um livro na biblioteca, fazer o trabalho de casa ou estudar as lições em locais apropriados...

Em democracia as maiorias absolutas não podem ficar alheadas de todo este descontentamento, quase geral, patente nesta classe dos professores. Haja compreensão para bem da escola pública, pois é uma classe inteira a reivindicar justeza nas decisões para que todos possam trabalhar em pleno. A teimosia, neste caso, por parte do poder político, não ajuda nada à tranquilidade nas escolas. Não é altura de admitir que se falhou? A escola depende de quem? Os governos passam, mas os professores ficam.

Salvador de Sousa

Professor da Escola Monsenhor Elísio de Araújo (Pico de Regalados)


Diário do Minho Ano LXXXIX | N.º 28319

| SÁBADO | 15 de Novembro de 2008

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