domingo, 23 de novembro de 2008

OPINIÃO > Joaquim Costa: «A revolta que invade os professores»

Ultimamente tenho sido muito tentado no sentido da desistência. A revolta é enorme. Ainda não fui capaz de desistir. Mas sinto que a probabilidade de tal acontecer se vai aproximando perigosamente.

São interessantes as análises de Joaquim de Azevedo e de Matias Alves. Mas não deveremos confundir lutas exigindo respeito pelos direitos profissionais (da responsabilidade dos professores) com luta por uma melhor escola, por uma melhor educação (da responsabilidade de todos, inclusive dos professores).

Nestes dois níveis de luta, os professores têm sido mais ou menos abandonados pela maioria da sociedade. E isto não é aceitável. Nos últimos cerca de 15 anos, com sucessivas e cada vez mais insensatas medidas legislativas e reguladoras da actividade docente, a autonomia técnica dos professores (os professores são técnicos da educação) tem sido progressivamente reduzida, limitada, controlada, asfixiada. A progressiva burocratização dos actos educativos têm vindo a reduzir, progressivamente, a dimensão human(ist)a que caracteriza(va) a essência da profissão docente.

A revolta que invade os professores tem, na minha opinião, a sua origem neste progressivo assalto dos burocratas positivo-pragmáticos à realidade e ao poder, com desrespeito absoluto por princípios éticos e pedagógicos básicos. Dos estudos que vão sendo publicados, os políticos aproveitam conclusões para, em seu nome, imporem estratégias de obtenção de resultados (veja-se a questão do sucesso versus resultados escolares) em vez de analisarem as causas e implementarem medidas que, sem desvirtuarem princípios éticos e pedagógicos, melhorem a correcção dos problemas. Neste aspecto, estes três últimos anos têm sido de uma violência atroz.

A questão da avaliação foi simplesmente a gota de água. Mas não deixa de ser significativo que se trate exactamente da avaliação. Sendo a gota de água, era a gota que, definitivamente, pelos termos em que estava (está, enquanto não for suspensa) nos retirava toda a nossa autonomia como técnicos da educação.Uma coisa o Ministério da Educação tem de entender: as escolas não são sua propriedade. As escolas são nossas, dos alunos, dos professores, dos pais, da comunidade. De cada comunidade. Ao Ministério cabe criar condições para que as comunidades façam funcionar as suas escolas. Condições materiais, humanas, logísticas e de formação, em articulação com as comunidades. Urge rever o monstro tentacular em que o ME se transformou.

Se é com mais ou menos papéis, ou sem papéis, se é com horários mais ou menos alargados, se é com processos de avaliação mais ou menos complexos, deve ser cada comunidade a decidir. A referência estará no seu (da comunidade) projecto educativo. O conhecimento, por mais que alguns insistam na ideia, não é uma "mercadoria" qualquer. O produto do investimento depende de muitos factores, com responsabilidades repartidas. Sempre responsabilidades, mais raramente culpas. As culpas resolvem-se pela via disciplinar, as responsabilidades pela via da procura partilhada de soluções, não pela via da imposição unilateral, sobretudo em educação.

Joaquim Costa (Chaves)

Texto recolhido no TERREAR

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