domingo, 23 de novembro de 2008

OPINIÃO > José Matias Alves: «Dos objectivos de uma luta»

Escrevo na tentativa de me iluminar. Admitindo o erro (de análise), mas procurando errar cada vez menos. É isso que me leva a escrever de novo sobre o tema do modelo de avaliação simplificado. Procuro fazê-lo em tópicos para me não perder (pelo menos de forma excessiva).

1. Começo por dizer que concordo com Joaquim Azevedo quando escreve que o modelo de avaliação não deveria ser a questão central do momento. Há outras questões educativas que nos deveriam ocupar e mobilizar.

2. Se isto é verdade, ter-se-á de reconhecer que não foram os professores que agendaram esta questão. De algum modo, foram obrigados a fazê-lo.

3. Os problemas essenciais do modelo ainda “em vigor” são i) a excessiva compartimentação e atomização funcional; ii) o detalhe analítico e os descritores de desempenho que podem chegar a mais de uma centena, numa evidente ilusão de rigor e objectividade; iii) a uniformidade e rigidez das prescrições (independentemente dos contextos e destinatários) – reconheço que muitos consideram isto sinal de justiça; iv) flagrantes injustiças cujo exemplo maior é um professor não poder ter a menção de excelente se em dois anos tiver faltado apenas 45 minutos por motivos de força maior; v) modelo excessivamente “pesado”, importado e desfasado das culturas profissionais prevalecentes.

4. Para além destes problemas há questões a montante e que têm a ver com i) o modo (injusto) da “fabricação” dos professores titulares; ii) o provável não reconhecimento de competências de avaliação num número indeterminado de situações; iii) a criação administrativa de cotas (ainda que se tenha de perceber as circunstâncias que as geraram, umas de natureza economicista e outras de natureza das práticas do “melhor para todos”.); iv) a impossibilidade de um professor que queira apenas ser professor (excepcional) poder chegar ao topo da carreira.

5. Dito isto, faz sentido advogar uma consensualização em torno de um modelo que perdeu alguns dos seus aspectos mais controversos e iníquos para que nos concentremos no essencial?

6. Muitos (até bons amigos – que não o deixam de ser por isso) entendem que não faz sentido. Que os professores, os sindicatos e os movimentos devem continuar a lutar pela suspensão total da avaliação porque as razões da luta se mantêm.

7. Entendo essas razões. Pode até ser a melhor estratégia para a dignificação dos professores e da profissão, do ensino, das aprendizagens, dos alunos.

8. Enuncio, sem disso ter a certeza – e portanto podem poupar-me nos adjectivos – a hipótese de que pode não ser a melhor estratégia. A hipótese de que o jogo de soma nula (a minha vitória tem de se fazer com a derrota total do outro) pode ser contraproducente. A hipótese de que legitimidade social da luta se pode começar a perder não pode ser descartada. O isolamento social dos professores é o maior risco que vejo neste momento.

9. Por isso, pode fazer sentido descentrar a discussão e voltar, por exemplo, às questões do ECD e das condições de trabalho para se poder ensinar e aprender melhor. E aos modos de governação e de regulação (hiperburocráticos, ofensivos e desautorizantes).

José Matias Alves

Fonte: Terrear

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