Sem alvo óbvio, docentes tardam a transformar o desânimo em revolta
22.10.2010 ─ 07:59 Por Graça Barbosa Ribeiro
Que os professores vão acordar para as ameaças da proposta de Orçamento do Estado ninguém duvida, mas, para já, não há sinais de grandes manifestações de rua.
Os observadores mais atentos aos efeitos dos cortes da proposta do Orçamento do Estado no sector da Educação prevêem que as escolas sejam abaladas “por uma verdadeira hecatombe”. Mas a verdade é que, por enquanto, os professores não dão sinais públicos de revolta. Os dirigentes sindicais preparam-se para um trabalho aturado e intensivo de informação e mobilização; os líderes dos movimentos de professores adivinham que ele só dará frutos quando os colegas sentirem os efeitos dos cortes “na pele”.
Há três anos, num momento de grande contestação à política educativa do Governo, verificou-se uma explosão de blogues dedicados ao tema da educação, alguns lançados a título individual, outros por movimentos de professores. As caixas de comentários fervilhavam de revolta e foi também por aí que a unidade se fez e o número de contestatários engrossou o dos sindicalizados, para as enormes manifestações de rua que marcaram 2008.
Ontem, quem passasse os olhos pelos mesmos blogues, dificilmente se aperceberia de que a Educação está perante a ameaça do maior corte de verbas da última década (11,2 por cento) e que, àquela hora, os dirigentes sindicais travavam um desigual braço-de-ferro com a ministra da Educação.
Não que o assunto seja ignorado. Os sindicalistas produzem comunicados inflamados contra a anulação do concurso extraordinário para a colocação de docentes, o congelamento da carreira e a redução do número de professores. Os autores dos blogues criticam a posição dos sindicatos aos quais acusam de ter conduzido a entendimentos e acordos que esvaziaram os protestos e depois não foram cumpridos.
No que respeita aos docentes, a situação é outra. “Não dão qualquer sinal de mobilização”, comentava ontem Ilídio Trindade, líder do movimento Mobilização e Unidade dos Professores (MUP), que justificou a falta de movimento do seu blogue explicando, precisamente, que ele “vive do pulsar dos professores”.
Paulo Guinote, do blogue A Educação do meu Umbigo, tem uma sensação semelhante no que respeita à falta de motivação dos colegas para uma contestação activa. Atribui-a “à falta de informação” (da qual se apercebe através dos comentários e de perguntas mais ou menos deslocadas que lhe são feitas), mas também “ao regressar do medo”. “Os mais informados sabem que, com a redução do número de professores, a eliminação de duas disciplinas e o poder dos directores, os chamados “horários zero” (que colocam docentes do quadro em situação de mobilidade) são uma ameaça”, sublinha.
Ramiro Marques, do ProfBlog, não identifica, também, sinais de indignação, mas não estranha, já que, recorda, a mobilização de 2008 foi “absolutamente excepcional” e muito potenciada “pela arrogância e falta de educação da então ministra Maria de Lurdes Rodrigues”. Considera que as pessoas hoje sentem-se igualmente “defraudadas, traídas, enganadas”, mas que, “à falta de um alvo óbvio, não estão a transformar isso em revolta e a dirigi-la contra o ministério”.
Outra hipótese é colocada por Octávio Gonçalves, do movimento Pro- mova, que admite que haja “algum pudor em fazer reivindicações de classe num momento em que a crise atravessa toda a sociedade”. Já Ricardo Silva, da Associação de Professores e Educadores em Defesa do Ensino (APEDE), tem uma visão menos romântica: “Os professores ainda não sentiram na pele o efeito dos cortes”, analisa.
Os dirigentes sindicais não se ficam pelos comentários. João Dias da Silva, da Federação Nacional de Educação (FNE), frisou ontem a necessidade de alertar os professores para “a situação terrível” que enfrentam. A Federação Nacional de Professores (Fenprof) já está no terreno: às reuniões escola a escola e aos comunicados seguir-se-á, na próxima semana, uma maratona de plenários para mobilizar os associados para a manifestação de 6 de Novembro e para a greve de dia 24.
Mário Nogueira, da Fenprof, pensa que as pessoas estão informadas. “Não têm ideia é da violência das medidas...” comenta. E, se esse for o único entrave à mobilização, ele não resistirá às campanhas das duas federações, que farão tudo para acordar os professores antes da chegada do recibo do vencimento, em Janeiro. Dias da Silva recorda que o fim de Estudo Acompanhado e de Área de Projecto implica acabar com “pelo menos 5000 horários”, ou seja, a dispensa dos serviços de outros tantos professores. Mário Nogueira informa que, “em termos de vencimento, um professor a meio da carreira perderá, no fim do ano, o equivalente aos dois subsídios”. Ambos acreditam que a informações como estas ninguém ficará indiferente e que, mais cedo ou mais tarde, os professores se vão mobilizar.
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