Há 36 e seis anos, quando aconteceu a chamada “Revolução dos Cravos”, estava eu prestes a completar 14 anos. Como saía cedo de casa, por volta das 06h45, se bem me lembro, foi uma surpresa quando cheguei ao Externato da Imaculada Conceição, onde frequentava o 1.º Ano do Ensino Liceal ─ equivalente ao actual 7.º Ano de Escolaridade ─ e fomos informados pelo Aníbal, um colega do mesmo Ano, ainda antes de iniciarmos as aulas, de que havia acontecido um revolução em Lisboa e que, a partir dali, já não seria necessário ir para a guerra em África. O que até ali sabíamos é que periodicamente alguns rapazes depois de completarem os 20 anos iam para o Ultramar, combater o “inimigo”. Outros, que se recusavam a ir para a guerra, fugiam para França. De vez em quando ouvia-se dizer que nas aldeias das redondezas ia haver um funeral de um militar que tinha morrido na guerra em África…
Chegou a hora de nos dirigirmos à sala de aulas e, mais de três décadas depois, ainda vejo a directora do estabelecimento de ensino, sentada a fazer renda, com um ar nervoso, tendo um rádio ligado em cima da secretária, donde se escapava uma música que me parecia ser fúnebre.
Soube mais tarde que o era efectivamente, pois o regime tinha sido deposto por uns militares corajosos que sonhavam com um Portugal mais livre, justo e solidário, entre o quais se destacou Salgueiro Maia.
A directora deu-nos ordens para estudarmos e ali nos mantivemos em silêncio. De vez em quando, a música era interrompida e a directora aumentava prontamente o som, pelo que todos podíamos ouvir distintamente o que estava a acontecer na capital, sendo lidos comunicados do MFA (Movimento das Forças Armadas), que apelavam à calma e para as pessoas se manterem em casa.
Quando cheguei a casa, comentei com os meus pais o que tinha acontecido. O meu Pai, um exemplo de uma pessoa que não saberia viver agrilhoada, comentou: “Com um governo ou com outro, temos sempre de trabalhar se quisermos comer”.
Se pudesses ver, Pai, o que se passa agora, ficarias muito surpreendido, pois há quem se governe sem trabalhar… Há até quem diga que muitos destes ainda vivem melhor do que outros que trabalham. Coisas modernas que talvez tu não compreendesses!...
O 25 de Abril trouxe efectivamente algumas mudanças. Pouco tempo depois, apareceram militares no Nordeste Transmontano. Era a chamada “Dinamização Cultural”. Lembro-me de ver alguns oficiais de óculos Ray-Ban a “montar guarda” ao colégio onde eu estudava… A verdade é que havia lá umas meninas bem jeitosas e deveria ser o que eles procuravam… Muitos daqueles militares que deambulavam por aquela região iam aproveitando os petiscos que as gentes lhes iam pondo à disposição. Quando lhes saltava à vista alguma moça mais jeitosa, não descansavam enquanto não conquistavam as graças dela. Oh quantas donzelas caíram naquela época em ciladas de amor que, mais tarde, deram conta serem falso!… Algumas ficaram com rebentos, para se lembrarem de uma época em que tudo parecia correr pelo melhor no melhor dos mundos. Falo de um tempo em que os militares eram uns heróis e tudo lhes era concedido.
Trinta e seis anos depois os militares já não gozam daquela reputação de outrora e aquilo que eles ambicionavam para o nosso País não foi cumprido integralmente. Mas há coisas que nunca serão realizadas se nós estivermos à espera de que elas venham ter connosco… Mesmo aquilo que as portas da revolução abriram já não têm qualquer valor ─ falo das eleições ─, pois muitas pessoas já nem sequer se dignam participar nelas, recusando-se a ir depositar o seu voto no local devido.
Como poderão mudar as coisas se nós não nos empenharmos em colaborar na mudança? Não terá sido por acaso que Portugal viveu 60 anos sob o domínio espanhol e 48 num regime ditatorial, onde a liberdade individual era coarctada.
É necessário estarmos sempre vigilantes para que algumas portas que Abril abriu não sejam encerradas…
Nenhum comentário:
Postar um comentário