Ouvir é um fenómeno fisiológico; escutar é um acto psicológico. É possível descrever as condições físicas da audição (os seus mecanismos), pelo recurso à acústica e à fisiologia do ouvido; mas a escuta não pode definir-se senão pelo seu objecto, ou, se preferirmos, pelo seu desígnio. Ora, ao longo da escala dos vivos (a scala viventium dos antigos naturalistas) e ao longo da história dos homens, o objecto da escuta, considerado no seu tipo mais geral, varia ou variou. Daí, para simplificarmos até ao extremo, proporemos três tipos de escuta.
Segundo a primeira escuta, o ser vivo orienta a sua audição (o exercício da sua faculdade de ouvir) para indícios; nada, a este nível, distingue o animal do homem: o lobo escuta um ruído (possível) de caça, a lebre um ruído (possível) de agressor, a criança, o apaixonado escutam os passos de quem se aproxima e que são, talvez, os passos da mãe ou do ser amado. Esta primeira escuta é, se assim se pode dizer, um alerta.
A segunda é uma descodificação; aquilo que se tenta captar pela orelha são signos; aqui, sem dúvida, o homem começa: escuto como leio, isto é, segundo certos códigos.
Finalmente, a terceira escuta, cuja abordagem é completamente moderna (o que não quer dizer que suplante as duas outras) não visa ─ ou não espera ─ signos determinados, classificados: não o que é dito, ou emitido, mas quem fala, quem emite: supõe-se que ela se desenvolve num espaço intersubjectivo, onde «eu escuto» quer dizer também «escuta-mo»; aquilo de que ela se apodera para o transformar e o lançar infinitamente no jogo da transferência, é uma «significância» geral, que já não é concebível sem a determinação do inconsciente.
Roland Barthes
in Roland Barthes (1984), O Óbvio e o Obtuso, Lisboa: Edições 70, pp. 201- 211
via JMA ─ Terrear
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