quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Sistemas de ensino e de avaliação estão a afastar os rapazes da escola

Vem aí uma geração de rapazes frustrados

Em quase todos os países ocidentais, os rapazes abandonam cada vez mais o ensino no final da escolaridade obrigatória. Têm capacidades para ir mais longe, mas as escolas poderão estar a avaliá-los mal, privilegiando as raparigas. Podemos estar a criar (ou já criámos?) uma geração de excluídos e uma nova classe baixa ― a dos homens.

Por Clara Viana


Um calafrio: investigadores portugueses, ingleses e norte-americanos, entre outros, têm vindo a constatar que as mudanças introduzidas nas últimas duas décadas no sistema de ensino e de avaliação dos alunos estão a contribuir activamente para afastar da escola um número cada vez maior de rapazes.

Produziu-se uma inversão. O fenómeno, que é comum à maioria dos países ocidentais, Portugal incluído, está a alargar o fosso entre rapazes e raparigas no sistema educativo. As raparigas têm hoje melhores notas e vão mais longe; os rapazes desistem, muitos deles logo no fim da escolaridade obrigatória. Nos 27 países da União Europeia, só a Alemanha mantém, no ensino superior, valores equilibrados de participação dos dois sexos.

Para o director do instituto britânico de políticas para o ensino superior (HEPI, na sigla em inglês), Bahram Bekhradnia, estamos já numa corrida contra-relógio. “Penso que corremos o perigo de estar a criar uma nova classe baixa”, constituída só por rapazes, diz, depois de um estudo recente daquele organismo ter confirmado a dimensão crescente do fosso entre raparigas e rapazes, e lançado algumas pistas inquietantes sobre os motivos que explicam o fenómeno.

O problema não são os bons resultados alcançados pelas raparigas, mas as fracas classificações obtidas pelos rapazes e aquilo que isso implica: a responsabilidade da escola nesta situação, o que isto está a provocar neles e nelas, e as consequências sociais do insucesso escolar masculino. “Vamos ter uma geração de rapazes frustrados e excluídos dos sistemas escolares e profissionais por incapacidade de rivalizar com o género oposto”, prevê a socióloga da educação Alice Mendonça nas respostas que enviou, por e-mail, às questões do P2.

Em países como o Reino Unido e os EUA, mas não só, a questão já entrou na agenda política. Em Portugal não. Existe investigação sobre o tema, há estatísticas à espera de serem interpretadas e... muito silêncio. Alice Mendonça sublinha, porém, que “os pais têm de ser alertados para as consequências” do que se está a passar.

Isto está a acontecer não por os rapazes se terem tornado, de repente, mais estúpidos, mas em grande medida, avisam os investigadores, por eles estarem a ser ensinados e avaliados num sistema que valoriza as características próprias das raparigas e penaliza as dos rapazes.

Zero em comportamento

Nos últimos anos, Alice Mendonça, também docente na Universidade da Madeira, centrou a sua investigação, precisamente, no insucesso escolar na perspectiva do género. Percorreu todos os ciclos escolares. Sustenta que, para os professores, na sua esmagadora maioria mulheres, o modo como as raparigas se comportam e trabalham é “mais conforme com as suas representações do bom aluno ou aluno ideal” ― o que poderá conduzir a uma “sobreavaliação” das alunas e a uma “discriminação” dos alunos.

Para a sua tese de doutoramento, a socióloga e investigadora do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, em Lisboa, Teresa Seabra analisou, por seu turno, os resultados escolares de estudantes do 2.º ciclo do ensino básico (11-12 anos). Comprovou que “os resultados dos rapazes e das raparigas se igualavam quando excluía da amostra os alunos com problemas disciplinares”, o que a leva a concluir, disse ao P2, que, “como o comportamento afecta de modo significativo o aproveitamento, a pouca conformidade às regras escolares estará na base dos piores resultados dos rapazes”. A “atitude”, o comportamento dos rapazes, estará a comprometer irreversivelmente os resultados da sua avaliação.

Especialista em assuntos de Educação, o sociólogo francês Christian Baudelot defende que, antes de mais, aquilo que é pedido pela escola é a interiorização das suas regras, mas que estereótipos sociais ainda dominantes valorizam nos rapazes o desafio, a violência e o uso da força ― um verdadeiro “arsenal antiescolar”. As raparigas, pelo contrário, são socializadas na família em moldes que facilitam a adaptação às exigências escolares: mais responsabilidade, mais autonomia, mais trabalho. “Trata-se de um conjunto de competências que as torna menos permeáveis à indisciplina”, observa Teresa Seabra. No ano passado, em Espanha, 80 por cento dos alunos com problemas disciplinares eram do sexo masculino.

Alice Mendonça confirma que as raparigas, “mais conformes às regras escolares”, ganham uma “vantagem decisiva” sobre os rapazes quando chega o momento da avaliação. Em Portugal, como também noutros países, o comportamento passou a contar para a contabilização da nota final atribuída aos alunos.

Teresa Seabra defende que se tornou indispensável lançar um debate sobre a actual forma de avaliar. “No momento actual, a escola é chamada a avaliar também o “saber ser”, mas nem sempre foi assim e não tem que assim ser”, argumenta.

(Continua…)

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