O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, dirigiu ontem, dia 1 de Janeiro, uma mensagem aos Portugueses, a habitual mensagem de Ano Novo, na qual faz um levantamento dos problemas que nos esperam e aponta um caminho.
Boa noite,
No início deste novo ano, saúdo todos os Portugueses, onde quer que se encontrem, e desejo-lhes as maiores felicidades para 2010.
Há precisamente um ano, quando falei ao País, referi que 2009 iria ser um ano muito difícil.
Acrescentei, na altura, que receava o agravamento do desemprego e o aumento do risco de pobreza e exclusão social.
E disse também que Portugal gastava em cada ano muito mais do que aquilo que produzia.
Quando proferi estas palavras, não o fiz com um propósito político. Enquanto Presidente da República estou acima do combate político e partidário.
Falo aos Portugueses quando entendo que o interesse do País o justifica e faço-o sempre com um imperativo: nunca vender ilusões nem esconder a realidade do País.
Em nome da verdade, tenho a obrigação de alertar os Portugueses para a situação difícil em que o País se encontra e para os desafios que colectivamente enfrentamos.
Ao longo do último ano, o desemprego subiu acentuadamente, atingindo, no terceiro trimestre, 548 mil pessoas. Quase 20% dos jovens estavam desempregados.
A todos aqueles que, no último ano, perderam o seu emprego ou não conseguiram retomar uma actividade profissional, quero deixar uma palavra de conforto, mas também de esperança. Não percam a coragem.
Mas o desemprego não é o único motivo de preocupação.
A dívida do Estado tem vindo a crescer a ritmo acentuado e aproxima-se de um nível perigoso.
O endividamento do País ao estrangeiro tem vindo a aumentar de forma muito rápida, atingindo já níveis preocupantes.
Acresce que o tempo das taxas de juro baixas não demorará muito a chegar ao fim.
Se o desequilíbrio das nossas contas externas continuar ao ritmo dos últimos anos, o nosso futuro, o futuro dos nossos filhos, ficará seriamente hipotecado.
Quando gastamos mais do que produzimos, há sempre um momento em que alguém tem de pagar a factura.
Com este aumento da dívida externa e do desemprego, a que se junta o desequilíbrio das contas públicas, podemos caminhar para uma situação explosiva.
Portugal tem de juntar todas as suas forças para inverter esta situação.
Não podemos continuar a ser ultrapassados, em termos de nível de desenvolvimento, por outros países da União Europeia.
De acordo com os indicadores mais recentes, Portugal já baixou para a 19ª posição, estando apenas à frente de oito países da Europa de Leste que aderiram há poucos anos à União.
Tempos difíceis são tempos de maior exigência e de elevada responsabilidade. Para todos, é certo, mas ainda de maior exigência e responsabilidade para os detentores de cargos públicos.
O exemplo deve vir de cima.
O País real, que quer trabalhar, que quer uma vida melhor, espera que os agentes políticos deixem de lado as querelas artificiais, que em nada resolvem os verdadeiros problemas das pessoas.
É tempo de nos concentrarmos naquilo que é essencial, com destaque para o combate ao desemprego.
Não é tempo de inventarmos desculpas para deixarmos de fazer o que deve ser feito.
Estamos perante uma das encruzilhadas mais decisivas da nossa história recente. É por isso que, em consciência, não posso ficar calado.
Em face da gravidade da situação, é preciso fazer escolhas, temos de estabelecer com clareza as nossas prioridades.
Os dinheiros públicos não chegam para tudo e não nos podemos dar ao luxo de os desperdiçar.
Recordo o que tenho vindo insistentemente a defender.
Nas circunstâncias actuais, considero que o caminho do nosso futuro tem de assentar em duas prioridades fundamentais.
Por um lado, o reforço da competitividade externa das nossas empresas e o aumento da produção de bens e serviços que concorrem com a produção estrangeira.
Por outro lado, o apoio social aos mais vulneráveis e desprotegidos e às vítimas da crise.
É uma ficção pensar que é possível conseguir uma melhoria duradoura do nível de vida dos portugueses sem o aumento da produtividade e da competitividade da nossa economia.
O reforço da competitividade depende, desde logo, da confiança e da credibilidade das nossas instituições, nomeadamente do sistema de justiça e da Administração Pública.
Devemos apostar, por outro lado, em políticas públicas que promovam uma educação exigente e uma formação profissional de qualidade, que fomentem a inovação, que incentivem os investimentos das empresas no sector dos bens e serviços que concorrem com a produção externa.
Cerca de noventa e cinco por cento das nossas empresas têm menos de vinte trabalhadores.
Sendo esta a estrutura do nosso tecido produtivo, o contributo das pequenas e médias empresas é decisivo para a redução do desemprego e para o desenvolvimento do País.
Às instituições financeiras, por seu lado, exige-se que apoiem de forma adequada o fortalecimento da capacidade das pequenas e médias empresas para enfrentarem a concorrência externa.
Se o Estado tem a responsabilidade de garantir a estabilidade do sistema financeiro em períodos de turbulência, os bancos têm a responsabilidade social de garantir que o crédito chega às empresas.
Nos últimos tempos, temos ouvido muitos apelos para que o Presidente da República intervenha activamente na vida política.
No entanto, na lógica do nosso sistema constitucional, não compete ao Presidente da República intervir naquilo que é o domínio exclusivo do Governo ou naquilo que é a actividade própria da oposição.
Portugal dispõe de um Governo com todas as condições de legitimidade para governar, um Governo assente numa maioria relativa conquistada em eleições ainda há pouco realizadas.
O novo quadro parlamentar, aliado à grave situação económica e social que o País vive, exige especial capacidade para promover entendimentos da parte de quem governa, a que deve corresponder, por parte da oposição, uma atitude de diálogo e uma cultura de responsabilidade.
Os Portugueses compreenderiam mal que os diversos líderes políticos não se concentrassem na resolução dos problemas das pessoas e que não empenhassem o máximo do seu esforço na realização de entendimentos interpartidários.
Neste contexto, a difícil situação das nossas contas públicas lança um desafio de regime aos partidos representados no Parlamento.
Os custos da correcção de um desequilíbrio das finanças públicas podem ser dramáticos, como o demonstram os exemplos de outros países da União Europeia.
Importa ter presente que Portugal tem já um nível de despesa pública e de impostos que é desproporcionado face ao seu nível de desenvolvimento.
Assim, seria absolutamente desejável que os partidos políticos desenvolvessem uma negociação séria e chegassem a um entendimento sobre um plano credível para o médio prazo, de modo a colocar o défice do sector público e a dívida pública numa trajectória de sustentabilidade.
O Orçamento do Estado para 2010 é o momento adequado para essa concertação política, que, com sentido de responsabilidade de todas as partes, sirva o interesse nacional.
Não devemos esperar que sejam os outros a impor a resolução dos nossos problemas.
Portugueses,
Neste ano de 2010, iremos celebrar o centenário da República.
Vamos fazê-lo numa conjuntura que é de grandes dificuldades. Mas, precisamente por isso, temos de perceber que a nossa crise não é apenas económica.
É, também, uma crise de valores.
Há que recuperar o valor da família. O esbatimento dos laços familiares tem sido um dos factores que mais contribuem para agravar as dificuldades que muitos atravessam.
Devemos também valorizar a prática do valor da ética republicana. A ética nos negócios, nos mercados e na vida empresarial, mas também na vida pública, tem de ser um princípio de conduta para todos.
Temos também de restaurar o valor da confiança nas instituições e na justiça. Os Portugueses têm de acreditar que existe justiça no seu País, que ninguém está acima da lei.
Sei que a grande maioria dos magistrados se empenha, séria e discretamente, em fazer bem o seu trabalho.
Neste primeiro dia do ano, importa reafirmar o valor da esperança. Repito aos Portugueses o que lhes disse há precisamente um ano: não tenham medo.
Possuímos uma longa História de que nos orgulhamos, porque no passado não tivemos medo.
E aqui estamos hoje, um Estado democrático que faz parte de uma Europa Unida.
Aqui estamos hoje, em 2010, porque acreditámos em nós próprios e num destino chamado futuro.
Em nome desse futuro, temos de continuar a lutar.
O combate que travamos por Portugal é feito em nosso nome e em nome dos nossos filhos.
Eu acredito em Portugal. Por isso, continuarei a lutar pelo futuro desta nossa terra.
No meio de tantas incertezas, os Portugueses podem ter uma certeza: pela minha parte, não desistirei e nunca me afastarei dos meus deveres e dos meus compromissos.
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