A questão central que aqui se coloca é a da autoridade. Autoridade que se exerce cultivando a distanciação entre professores e alunos.
A Autoridade na Pedagogia Tradicional
O relacionamento entre o professor e os seus alunos é uma das questões mais importantes na História da Educação da Idade Moderna. Constitui, em última instância, a chave para compreendermos a evolução da estrutura e da dinâmica da pedagogia, ao longo dos últimos séculos.
A pedagogia tradicional, em que muitos de nós fomos educados e da qual, de um modo ou de outro, todos somos herdeiros, tem a sua raiz matricial na pedagogia dos Jesuítas. A organização dos seus colégios e o seu modo de funcionamento exerceram uma influência decisiva na pedagogia dos séculos seguintes. Melhor do que qualquer descrição será transcrevermos um texto de um jesuíta do século XVI, o Padre Gaudier, publicado na obra De Natura et Statibus Perfectionis:
“...Que os adolescentes tenham dos seus mestres a mais elevada opinião e que os admirem pelo seu grande valor, pois esta estima pressiona-os interiormente, sobretudo se se lhe juntar o amor para o cumprimento integral da vontade daqueles que os dirigem...
...Mas só receberemos essa estima se formos prudentes e discretos. Nomeadamente as nossas relações com os nossos alunos deverão ser tais que não se conheça nelas qualquer familiaridade. Pois é certo que a familiaridade engendra facilmente o desprezo.
...Não tenhamos relações muito frequentes com os adolescentes, não sejamos demasiado efusivos, não tenhamos intimidade em excesso, não lhes confiemos qualquer segredo ou projecto...”
A questão central que aqui se coloca é a da autoridade. Autoridade que se exerce cultivando a distanciação entre professores e alunos. Autoridade idêntica à que o pai tem com o seu filho, o patrão com o seu empregado. Em última instância, autoridade idêntica à das classes sociais “superiores” (nobreza, alta burguesia) em relação às que lhes eram “inferiores” (pequena burguesia, povo). Uma dinâmica social incrustada na estratificação das classes e dos indivíduos. Ou, se quisermos, uma formalização das relações, construída aprioristicamente, em tudo independente do valor do indivíduo. Indivíduo cujo status social não lhe era concedido pelas suas qualidades ou pelo seu desempenho funcional na comunidade, mas, sim, por circunstâncias extrínsecas ao seu ser e estar.
Se o estudo do papel da autoridade na dinâmica social nos fornece indicadores preciosos para o conhecimento de uma época, também o conhecimento do exercício da autoridade de uma organização escolar é a chave que nos abre a porta desse mundo que se oculta nas que quatro paredes de uma escola. O texto do Padre Gaudier atrás transcrito, é, pois, a pedra angular que suporta o edifício da pedagogia jesuítica. E, como a pedagogia tradicional mergulha a sua raiz matricial na pedagogia dos Jesuítas, o mesmo será de dizer de toda a pedagogia dos países da Europa Ocidental, nos séculos XVIII, XIX e primeira metade do século XX. Autoridade que, em última instância, assume a forma de autoritarismo.
Era, pois, da autoridade que decorriam as outras características da pedagogia: a organização do ensino; os métodos de ensino; a memorização; a competição. Delas falarei em próxima crónica.
Albano Estrela [31.12.2009]
Fonte: educare
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