terça-feira, 29 de junho de 2010

OPINIÃO > José Manuel Canavarro: «Os problemas dos mega-agrupamentos»

A literatura especializada sobre este tema converge na conclusão de que a dimensão da escola é relevante para o sucesso. A investigação é consistente na relação da dimensão da escola, reduzida ou média, de 300 a 900 alunos (num agrupamento que englobe jardim-de-infância e secundário apontar-se-ia para 1500 alunos), com melhores resultados e menos indisciplina dos alunos e maior satisfação dos professores, pessoal não docente e famílias.

O recente quadro legal de gestão das escolas em Portugal (o DL n.º 75/2008, de 22 de Abril) procurou criar um contexto de estabilidade (também temporal) para a liderança de escola, uma liderança unipessoal (director), e constituiu um novo órgão, o conselho geral. Neste tomam assento pais, autarquias, estudantes (nas escolas secundárias) e personalidades representativas da comunidade local, designadamente instituições, organizações e actividades de carácter económico, social, cultural e científico, para além de professores e pessoal não docente. O conselho geral tem responsabilidades relevantes, desde a eleição do director, à aprovação e acompanhamento do Projecto Educativo, do Regulamento Interno, do Plano Anual de Actividades da Escola.

Gerou-se um modelo de envolvimento e parceria, ainda rudimentar, mas importante num país com baixos índices de participação social.

Contudo, o Governo resolve, de forma indirecta, travar esta mudança com uma medida de racionalização da rede escolar — A Resolução do Conselho de Ministros 44/2010, de 14 de Junho. Que é vaga e aponta para uma portaria, que a regulamentará. Enquanto não há portaria, iniciou-se já a fusão de escolas e de agrupamentos de escolas. Rápida, pouco participada, unilateral. Acertada, em alguns casos — por exemplo: em concelhos com uma unidade orgânica do ensino básico e outra de ensino secundário, e nos quais a soma dos alunos fique aquém dos 1500. Desacertada, na maioria. Mas, esperemos que parável nestes últimos, por intervenção dos parceiros da escola — pais, autarquias e entidades externas — que deverão estar atentos ao processo.

Com a aplicação desta resolução, e com a extinção, por fusão, de centenas de agrupamentos, desperdiça-se competência, pois muitos dos directores que cessarão abruptamente funções poderão não estar disponíveis para cargos de direcção. E a nomeação de comissões administrativas provisórias comprometerá o princípio de recrutamento e selecção por parte dos stakeholders ou parceiros.

Para esses stakeholders, a decisão de fusão representará horas e dias de trabalho “atirados pela janela” (quem participa em conselhos gerais sabe o tempo que essa participação consome) pelo que não restará muita vontade para continuar a participar.

Esta decisão deveria ter sido ponderada previamente e agora aplicada, caso a caso, acompanhando a generalização dos 12 anos de escolaridade obrigatória, sem pressas, respeitando mandatos de directores e dos órgãos das escolas.

Negligencia-se assim a estabilidade, jogam-se fora parcerias, rompe-se a confiança e desprestigia-se a liderança de escola.

Portugal investiu milhares de milhões de euros no parque escolar. E toma agora uma decisão que poderá no imediato gerar poupança. Apenas a que resultará da diminuição dos cargos de gestão e, também por essa via, com a libertação de quem estaria nesses cargos para o exercício da docência, bem como na racionalização do pessoal que desempenha tarefas administrativas.

Uma primeira dúvida — As “novas” escolas serão geríveis nestes termos?

Uma segunda, que é quase uma certeza — a médio prazo, esta decisão não estará a criar condições que afrouxem a tão necessária melhoria dos resultados dos alunos?

JOSÉ MANUEL CANAVARRO

Diário de Notícias [26 Junho 2010]

2 comentários:

Vítor Pimenta disse...

Excelente o artigo. Incrível como se dão estes passos atrás. Acho que esta era uma óptima altura e motivo para os professores contestarem com a mesma força que fizeram em relação à carreira. As questões salariais são irrelevantes quando somos arredados das decisões sobre o nosso próprio trabalho.

TELMO BÉRTOLO disse...

A altura para a tomada de certas decisões é criteriosamente escolhida. Os governantes sabem que nesta altura os docentes estão com pouca capacidade de contestação. A ideia de que não temos poder para alterar seja o que for vai fazendo o seu caminho e isso é, a meu ver, muito perigoso. Não terá sido por acaso que a ditadura durou 48 anos e estivemos sob domínio espanhol 60 anos... Abstenho-me de fazer comentários sobre a situação política actual...