domingo, 20 de junho de 2010

Maria do Carmo Vieira: «Urge que ponhamos fim a este ciclo de decadência»

Epílogo

Obedecer é como confessar que nada valho.

HENRI THOREAU

A situação do ensino da disciplina de Português, decorrente da execução da nova reforma, e excluindo as suas especificidades próprias, não difere substancialmente daquela em que se encontram as restantes disciplinas, tratando-se, pois, de um problema geral do sistema de ensino.

Historicamente, a «mudança» iniciou-se no pós-25 de Abril, com a preocupação em destruir tudo o que se relacionasse com a ditadura, numa atitude irreflectida, a que se juntaram algumas situações ditadas por mero oportunismo. Sabemos, por experiência de estudante, que no ensino universitário se banalizou a passagem administrativa, se limitou a avaliação, durante algum tempo, a Apto/Não Apto, e quando as classificações surgiram de novo, apareceram inflacionadas, factos que prejudicaram profundamente a formação académica e, em particular, os que viriam a ingressar na actividade docente.

Adicionando a estas circunstâncias, próprias de um momento de vivência revolucionária, quase impossíveis de controlar, a entrada em cena de teorias pedagógicas, decorrentes das Ciências de Educação, já contestadas e analisadas nos seus efeitos nefastos, nos anos 50 e 60 nos EUA, estavam criadas as condições para a instalação dessa «mudança», que nos vários capítulos demos a conhecer, aplicada à disciplina de Português. No mesmo sentido se veio a revelar o programa «Educação e Formação 2010», elaborado pela Direcção-Geral de Educação e Cultura da Comissão Europeia.

Para tentar inverter o actual estado do ensino, cremos ser indispensável, e parafraseando Henri Thoreau,95 que os professores não sirvam o Estado como máquinas, mas como seres conscientes que fazem uso livre da inteligência e opõem resistência quando necessário. Requerer-se-á igualmente uma maior exigência na formação de professores, com realce para os primeiros ciclos do Ensino Básico, porquanto constituem os fundamentos imprescindíveis à construção harmoniosa do «edifício educativo». Com sabedoria diz a tradição popular — «O que nasce torto, tarde ou nunca se endireita». Na verdade, só com professores conscientes do significado de ensinar e solidamente formados, a nível científico e pedagógico, com programas adequados às exigências crescentes de cada nível de ensino e conteúdos valorizados será possível devolver à escola a sua função histórica de espaço de conhecimento, de cultura e de formação, fruto de um trabalho contínuo e empenhado de múltiplas gerações que a Inércia não pode interromper.

Urge, pois, que ponhamos fim a este ciclo de decadência, que constitui um entrave ao desenvolvimento sustentado do país e hipoteca o seu futuro por uma ou mais gerações. E porque a mudança depende de nós e de uma acção séria e esforçada, não podemos esperar que «outros remedeiem o mal e ponham fim aos [nossos] lamentos» .96

95 Desobediência Civil. Lisboa: Antígona, 2005

96 Idem.

Maria do Carmo Vieira, O Ensino do Português, Fundação Francisco Manuel dos Santos, Lisboa, 2010, pp. 104-105

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