domingo, 7 de fevereiro de 2010

OPINIÃO > Nuno Rogeiro: «A ‘crise’ (e o resto)»

Cem anos depois, a República regressa à perturbação. Falências de bancos. Descontentamento popular. Tecnocratas desiludidos com o “manobrismo”. Estadistas impotentes, académicos críticos, militares (im)pacientes. A Comunicação Social em polvorosa. Queda da credibilidade financeira do país. 1917? 1925? Não. Agora.

Há a turbação episódica, em torno da alegada demissão (suspensa) do Governo, se houver prodigalidade orçamental. Mas existe uma crise mais larga, mais profunda, mais grave, que mina a confiança dos parceiros sociais, dos agentes públicos e privados, dos políticos, e daqueles que desconfiam dos políticos. Esse “mal essencial” retorna, agravado pelos espectros imediatos das derrocadas das economias europeias meridionais (e da Irlanda).

É preciso falar claro sobre a “crise menor”, a dita questão das finanças regionais.

Sendo verdade que as autonomias devem contribuir, como o todo, no esforço para diminuir o défice, deve perguntar-se se não deram já para esse peditório, directa e indirectamente, antes dos outros apertarem o cinto. E deve dizer-se que, com os vários travões e limites, aprovados em comissão, e introduzidos no diploma proposto pela Madeira, a necessidade de ser justo com as regiões autónomas é temperada pelo imperativo de ser justo para com o tesouro público, em geral.

Por outro lado, torna-se curioso verificar que, ao contrário do propalado, não há “coligação negativa” do PSD, PP, PC e BE. Quem está contra o novo diploma é o Governo (e o seu partido de sustento), não a Oposição ideologicamente heteróclita, que alguns vaticinavam nunca vir a unir-se. Mas a verdade é que o faz. E propõe. E legisla. E pode ser alternativa de Poder.

Pergunte-se ainda se, no ramo do “despesismo”, o actual Executivo tem autoridade para dar lições.

Na verdade, fez-se todo o trabalho de casa, que deveria ter extinto, no último mandato, as despesas redundantes e inúteis do Estado?

Suprimiu-se a administração indirecta e “confidencial” do Estado, pondo-se cobro a institutos, gabinetes, comissões e centros, que outrora cresceram como cogumelos?

E como negar a relação directa entre o agravamento da dívida e o continuado recurso ao crédito barato para subsidiar obras contestáveis?

Não há almoços de graça.

Nem asneiras que não se paguem, à mesa do povo.

Com ou sem eleições.

Jornal de Notícias [05.02.2010]

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