domingo, 21 de fevereiro de 2010

Mudanças anunciadas para o 3.º Ciclo correm o risco de "ser mais um remendo"

Educação

Mudanças prometidas para o 3.º Ciclo vão ser um “mero ajuste”

21.02.2010 - 09:47 Por Bárbara Wong

A ministra da Educação, Isabel Alçada, anunciou um “novo currículo” para o 3.º ciclo do ensino básico, a entrar em vigor já no próximo ano lectivo. Imediatamente se começou a ouvir e ler a palavra “reforma”, expressão nunca desmentida pela tutela. Contudo, o que a equipa de João Formosinho vai fazer é um “mero ajuste”, revela o professor e investigador da Universidade do Minho. Mas os especialistas pedem uma reforma a sério: afinal, os actuais programas datam de 1991 e a última reorganização curricular é de 2001.

“‘Reforma’ é uma expressão muito forte, vai ser um mero ajuste”, diz João Formosinho. “Não há o desejo de introduzir grandes alterações”, acrescenta. Em declarações ao PÚBLICO, a ministra da Educação, Isabel Alçada, confirma: “O que vamos fazer é introduzir alterações para melhorar as condições de aprendizagem. São reajustamentos para racionalizar o tempo curricular, para que a carga de tempo e de disciplinas não seja muito pesada para os alunos”.

Em Dezembro, a ministra anunciou a intenção de introduzir “um novo currículo” para os 7.º, 8.º e 9.º anos de escolaridade: menos disciplinas, a mesma carga horária (36 horas semanais). Hoje, os alunos têm 14 cadeiras, sem contar com Educação Moral e Religiosa, que é opcional. “Haverá menos dispersão”, definiu. Agora, diz: “Nos tempos curriculares por disciplina não vamos mexer. Vamos pensar nas áreas não-curriculares, embora seja importante manter Educação para a Cidadania.” E acrescenta: “Não se pode cortar disciplinas, nem fazer áreas multidisciplinares. É importante que as aprendizagens se façam com clareza.”

Os ajustamentos enunciados por João Formosinho podem ainda passar por “dar mais autonomia aos professores e às direcções das escolas para fazer uma gestão mais flexível do currículo”, acrescenta Isabel Alçada.

Mais Matemática

Paralelamente ao “ajuste”, há novos programas de Matemática e de Português para o ensino básico. Se os primeiros vão ser generalizados já no próximo ano lectivo, os segundos foram suspensos. A justificação é que, uma vez que está a ser estudada a reforma e o estabelecimento de metas de aprendizagem, é preferível esperar.

Esta justificação não é válida para Matemática porque os programas já começaram a ser experimentados, em 2008/2009, justifica a tutela. Mas um estudo recente sobre a experimentação dos programas revela que os professores tiveram dificuldade em aplicá-los no tempo lectivo previsto e muitos aproveitaram as aulas de Estudo Acompanhado para o fazer, revela António Borralho, investigador da Universidade de Évora, membro da equipa que fez a avaliação encomendada pelo ministério. “Se o Governo tiver em atenção a carga horária de Matemática ou corta no programa ou vai ter que criar condições” para o cumprir, explica.

A Associação de Professores de Português concorda com os novos programas mas defende que, em três horas semanais e com 28 alunos na sala de aula, “é impossível” dá-los.

Apesar de a ministra garantir nunca ter falado de reforma a reforma traz mais prejuízos porque é uma ruptura”, defende a verdade é que, na imprensa e na blogosfera, a expressão foi utilizada sem que o ministério tenha feito qualquer desmentido. “Fazer uma reforma curricular em nove meses é andar demasiado depressa”, aponta Ramiro Marques, professor da Escola Superior de Educação de Santarém e autor do blogue ProfAvaliação.

O mais coerente seria uma reforma dos programas de todas as disciplinas e a criação de novos planos curriculares”, defende José Augusto Pacheco, director do Centro de Investigação em Educação da Universidade do Minho, para quem é “urgente uma nova reforma, pensada de forma integrada e não por passos”.

Avaliar antes de alterar

Para José Augusto Pacheco, o actual modelo curricular devia ser avaliado antes de se introduzir alterações. Ou seja, é preciso avaliar as áreas não- curriculares (Estudo Acompanhado, Área de Projecto e Educação Cívica), propõe. Essas “inutilidades curriculares” deviam ser eliminadas, defende Ramiro Marques: “Reduzia-se assim a carga horária dos alunos”.

Há cada vez mais áreas disciplinares que se interpenetram”, diz Inês Sim-Sim, responsável pelo grupo que vai definir as metas de aprendizagem para a Língua Portuguesa. Fora da escola, as crianças aprendem numa perspectiva transdisciplinar. Noutros países, o número de disciplinas é “minimal”, analisa. “Nós herdámos um somatório de disciplinas às quais queremos acrescentar outras”, critica.

Inês Sim-Sim e Carlinda Leite, presidente do conselho directivo da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, concordam com a ministra e defendem que deve ser dada mais autonomia às escolas para gerirem o currículo, adequando-o ao perfil dos alunos, o que é impossível com um currículo nacional “tão recheado”, aponta Carlinda Leite. “Os professores deviam ser configuradores de currículo”, explica.

Ramiro Marques discorda. Actualmente, as escolas já têm margem para gerir o currículo e a tutela não deve prescindir desse poder. Por isso, o melhor é manter as disciplinas que existem e introduzir exames em todas, no final do ciclo. É bom para conhecer o sistema, o modo como as escolas trabalham, mas também para os alunos ganharem resiliência, recomenda.

A reforma devia “exigir uma discussão muito alargada dentro e fora das escolas”, defende José Augusto Pacheco. “Senão, corremos o risco de anunciar uma reforma que não surta qualquer mudança. Será mais um remendo”, conclui.

Fonte: PÚBLICO [21.02.2010]

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