Editorial
Quem estuda o quê?
por Martim Avillez Figueiredo
Ensino profissional? Uma discussão como esta não se começa pelo fim. Paulo Rangel devia sabê-lo
Não há nada de verdadeiramente errado em defender o ensino profissional, a não ser talvez a idade com que essa possibilidade é aceite por uma sociedade: não é igual uma criança de 12 anos aprender a pensar ou aprender a fazer. Não vale a pena radicalizar o discurso ─ vale a pena insistir na discussão: este é um tema-chave de uma sociedade desenvolvida.
Um: A educação é a ferramenta de política social mais usada na busca da célebre igualdade de oportunidades. Considera-se que se todos tiverem igual acesso a boa educação, e semelhantes condições na capacidade de se concentrarem nela, todos ganham o poder de alterar o seu destino. É por isso que os países gastam tanto dinheiro em educação.
Dois: Sucede que a simples existência destas políticas sociais não resolve o problema essencial ─ como tornar de facto mais socialmente justo o destino de vida de tantas pessoas. Já se sabe: a escola não chega e uma forte razão de insucesso escolar está no enquadramento familiar, social, económico. A motivação das crianças para estudar não é toda igual. E sobra ainda a implacável lotaria genética ─ nem todos revelam iguais capacidades cognitivas, de inteligência, de aprendizagem. Aqui ganha lastro o debate do ensino profissional ─ perdem-se muitas vocações por esta bizarra mania de que a escola é apenas para estudar, não para fazer. O argumento é tentador.
Três: A OCDE, já desde os anos 80, defende esta alternativa com intensidade crescente ─ a escola precisa de pôr lado a lado a importância das grandes ideias e de comportamentos sociais tão simples como dizer bom dia. Parece disparate, mas a ideia fica clara olhando o debate sobre os McJobs ─ mal pagos, esses empregos a virar hambúrgueres deram a adolescentes desfavorecidos aptidões para eles completamente desconhecidas: dizer bom dia, lavar as mãos ou respeitar uma qualquer hierarquia.
Quatro: Sucede que, como os McJobs revelam, estas aptidões sociais e profissionais têm tanto mais peso quanto mais desfavorecida é a criança. O que devolve tudo ao início ─ o ensino profissional é uma saída usada pelos mais pobres e socialmente menos aptos. É uma segunda oportunidade. Rangel diz: É preferível do que vê-los abandonar a escola. É. Mas não é preferível que uma sociedade desista de procurar caminhos para concretizar a igualdade de oportunidades. Rangel defende-se: por isso fala em escola mista, uma escola que cruze todas essas aptidões e se ajuste à criança ─ não a criança aos currículos. Pode até ser ─ de resto, ensino profissional e com equivalências existe hoje. O que não é agradável é ver todos estes debates em Portugal começar sempre da pior maneira ─ com políticos a simplificar.
Quinto: A educação não é uma brincadeira ideológica ─ é uma ferramenta social. Um político tem de a saber manejar também politicamente. Rangel falou de um ensino que prepare as crianças para o trabalho ─ esqueceu de falar de um ensino que resgate as crianças à exclusão social, que as motive, que as prepare para pensar. Quem pensa escolhe ─ e isso é que assusta normalmente os governos.
Fonte: i [20.02.2010]
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