Nos últimos tempos, José Sócrates saiu do esconderijo onde se protege do opróbrio de ter metido o país na bancarrota, pela única razão que normalmente o motiva a mostrar-se: comemorar e recomemorar um feito, uma percentagem. Aqui, a subida dos nossos alunos nos testes PISA de 2009. Ofereceu dois dias de entrevista ao Diário de Notícias. Nos últimos tempos, José Sócrates saiu do esconderijo onde se protege do opróbrio de ter metido o país na bancarrota, pela única razão que normalmente o motiva a mostrar-se: comemorar e recomemorar um feito, uma percentagem. Aqui, a subida dos nossos alunos nos testes PISA de 2009. Ofereceu dois dias de entrevista ao Diário de Notícias. E exclamou, ufano: “É a prova de que os nossos alunos sabem mais.”
Percebe-se. Mas ao mesmo tempo, pesando o histórico deste Governo em todas as modalidades de manipulação estatísticas e outras, perceba-se também a nossa prudência em julgar a façanha governativa. Não somos injustos. Somos isso mesmo: desconfiados.
Em democracia devemos desconfiar dos governos em geral e em Portugal, neste ano da graça de 2010, tudo recomenda que desconfiemos a dobrar. Antes de crenças, é da mais elementar prudência não deixar pedra por virar.
O Governo apresenta motivos plausíveis para sustentar que o estado da educação não é o que dizem oposições e alguns peritos. Consideramos, porém, contra essa argumentação, desde logo, que os alunos testados pelo PISA de 2009 não foram abrangidos pelas políticas educativas mais emblemáticas de Sócrates e de Maria de Lurdes Rodrigues. Mas devemos ir mais longe. Corramos as desconfianças até ao fim e analisemos a informação toda. E é aqui que batemos no segundo obstáculo: conhecemos o método aplicado, mas não sabemos as escolas indicadas pelo Governo tanto para a amostra de 2006 como para a de 2009. E, como lembrou há dias na blogosfera o especialista em Educação Paulo Guinote, precisávamos de conhecer esses dados em concreto, não só para podermos comparar 2006 com 2009, mas também para saber que critérios presidiram à amostra.
Infelizmente, nem o Ministério da Educação nem a OCDE afirmam ter condições para disponibilizar esses elementos. Ao email que enviei ontem para a OCDE sobre este ponto, foi-me respondido que a divulgação das escolas incluídas no projecto PISA é da competência exclusiva do Governo português. Pela sua parte, segundo notícias saídas na imprensa, o Ministério da Educação tem afirmado não as poder divulgar devido a um “acordo de confidencialidade” com a OCDE (a OCDE não confirma, pelo menos não me confirmou a mim, a existência desse “acordo de confidencialidade”). E não vejo aliás que suposto acordo confidencial entre o Governo e uma organização internacional pode impedir o Parlamento e qualquer cidadão de exigirem do Governo toda a informação pública relevante. Quais as razões que justificariam o segredo?
Por tudo isso, a pertinência de conhecermos estes elementos parece-me indiscutível já tentei apurar directamente junto do Ministério da Educação a sua resposta (fi-lo tarde, após ter recebido a resposta da OCDE, e por isso aguardo). Não vejo razão para que essa informação nos seja negada. Não vejo justificação admissível para tanto secretismo.
Podemos intuir que a selecção das escolas abrangidas pelos testes foi feita com mais cautela, porventura para que os resultados fossem melhores do que em 2006. Mas era preciso sair da intuição e analisar factos sólidos e contratos e saber quais foram. Como também afirma Guinote, mais do que demonstrar a teoria de uma conspiração que pode não ter existido, interessa-nos dispor dos elementos que permitam formar uma opinião esclarecida.
Até lá, cumpramos a nossa obrigação democrática de desconfiar. De todos os governos, e deste muito em particular. Não acusamos ninguém de manipulação. Queremos só saber se de facto avançámos ou se mudaram apenas a amostra. Sem transparência, não contem connosco para os festejos.
► PÚBLICO [14.12.2010]
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