segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

«Qualidade»

O primeiro-ministro propôs aos sindicatos que as minutas dos contratos laborais “passem a explicitar que o salário de uma pessoa está directamente ligado à qualidade do seu trabalho”. É uma ideia interessante, vinda de quem vem. Mas não tenho a certeza de que José Sócrates tenha medido as onsequências, no caso de a proposta ser aprovada e a sua aplicação tornada universal. Pense bem: os primeiros sacrificados seriam, obviamente, aqueles cujos altos salários conflituassem de forma mais gritante com a baixa qualidade do trabalho correspondente. Vem-lhe alguém à ideia? Eu ajudo: qual é, entre nós, a classe profissional que não tem de prestar contas pela qualidade do que faz? Que não se submete a estágio, a selecção técnica, a exame de competência? Que não precisa sequer de habilitação própria para exercer? Que tem como único castigo, para o trabalho mal feito, uns votos a menos (e tantas vezes uma prateleira dourada)? Bem vê: esta norma da “qualidade do trabalho”, aplicada à generalidade dos políticos portugueses, teria efeitos terríveis: receio, mesmo, que muitos deles tivessem de prescindir, integralmente, do ordenado. E o próprio Governo, submetido ao preceito de indexar o pagamento ao nível da obra realizada, ver-se-ia aflito para receber. Eu, se fosse aos sindicatos, aceitava a proposta de Sócrates — sob condição de ela ser aplicada a todos: políticos, legisladores e governantes incluídos. O próprio primeiro-ministro haveria de submeter-se, também ele, a uma avaliação contratual de “qualidade” com vista à determinação do seu salário. E quant0, dos 5.400 euros brutos mensais que hoje recebe, levaria então para casa? Cruel dúvida!

FRA DIAVOLO

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O Diabo 14 de Dezembro de 2010 | Ano XXXIII | N.º 1772

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