domingo, 8 de novembro de 2009

Barricas dos ovos moles de Aveiro fabricadas em exclusivo por dois primos

Os primos que alimentam as barricas de ovos moles

Tradição secular está nas mãos de dois sexagenários que detêm a patente das vasilhas

Um dos símbolos de Aveiro depende unicamente de quatro mãos. As barricas de madeira em que são colocados os ovos-moles são feitas por dois primos sexagenários. São eles que detêm a patente da tradição. Um dia destes passam a arte.

Se Joaquim e Abílio Ferreira se “reformassem” amanhã não havia mais barricas para guardar os ovos-moles de Aveiro. A tradição e a patente está nas mãos destes primos, de 67 e 64 anos, respectivamente, que há mais de 50 anos decoram as lojas de Aveiro com as barricas que os familiares começaram a fazer nos anos 30 do século passado.

A oficina da Ferreira Lopes & Ferreira, Lda, já não é a mesma. Passou da Rua de Sá, no centro de Aveiro, para Ervideiros, nos arredores da cidade. Mas algumas das máquinas são as de sempre. “Têm mais de 100 anos”, atira com orgulho Abílio Ferreira, o torneador.

É um negócio de família. Ninguém mais a pode fabricar ou sequer usar em imagem sem autorização desta micro-empresa que tem tantos trabalhadores como patrões. Abílio transforma os pedaços de choupo em barricas de nove tamanhos. Da número um que leva 35 gramas de ovos-moles à nove com capacidade para dois quilos de doce. Joaquim pinta-as com as tradições da região. O moliceiro é a mais procurada, mas o Farol da Barra (o segundo maior da Europa) e as marinhas também têm saída.

As máquinas são meros auxiliares. Já podiam ter equipado a oficina para poupar mão-de-obra, “mas deixaria de ser artesanato, uma arte, as peças seriam todas iguais, o que não acontece desta forma”, justifica Abílio. Máquinas são os primos. A barrica mais pequena demora 20 minutos a fazer. Pegar num pedaço de choupo e transformá-lo na maior das vasilhas já pintada demora 40 minutos. Um registo só ao alcance de quem sabe tudo de uma arte que, para já, não tem seguidores.

Talvez por respirarem saúde, apesar das idades de reforma e pré-reforma, os primos Ferreira ainda não traçaram o futuro. Os filhos não parecem vocacionados para pegar no negócio. “A solução poderá passar por ensinar a arte a outros familiares ou contratar pessoas continuando nós a supervisionar e a gerir a empresa”, dizem. Outra hipótese é vender. A única certeza é que, por eles, “a tradição não acabará”.

Joaquim e Abílio Ferreira fazem, em média, uma centena de barricas por dia. Não se queixam das vendas, “que têm vindo a aumentar nos últimos cinco anos devido ao acréscimo de turistas na região de Aveiro”. Dizem que cada vez mais nas pastelarias há quem prefira pedir para colocar os ovos-moles nas barricas de madeira, “que depois pode ser usada como porta-lápis, por exemplo”. Acrescentam que são muitos os que pagam 50 euros pela colecção de nove barricas para decoração.

A concorrência das barricas em porcelana não os afecta, nem sequer a hipótese do copo de plástico, que está a ser equacionado pela Associação de Produtores de Ovos-moles, para ser colocado no interior da barrica de madeira para que o doce fique melhor acondicionado. Mas Abílio não percebe a ideia do copo “porque os ovos-moles aguentam perfeitamente 15 dias nas barricas sem qualquer alteração do sabor devido às características do choupo”.

JOÃO PAULO COSTA

Fonte: Jornal de Notícias

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