A indisciplina dos alunos constitui, na actualidade, o principal factor de mal-estar docente para muitos professores, de acordo com os resultados obtidos em diversas investigações (JESUS, 1996a).
Sobretudo nos últimos anos, tem-se verificado um aumento da freqüência e da gravidade das situações de violência nas escolas e de indisciplina dos alunos na sala de aula, nomeadamente das agressões verbais e físicas entre os alunos e destes aos professores e funcionários, fomentando um clima de medo e insegurança entre os alunos, sobretudo mais novos e disciplinados, os pais, receando pelo que possa acontecer aos seus filhos na escola, os professores e os funcionários, pela agressividade que os alunos possam manifestar. Num estudo recentemente realizado em Portugal, a pedido do Ministério da Educação (Instituto de Inovação Educacional), sobre “A violência nas escolas” (VALE e COSTA, 1998), em que participaram cerca de 5000 alunos dos 8.º e 11.º anos de escolaridade, de 142 escolas, foram obtidos resultados que traduzem as proporções que as situações de indisciplina começam a ter no nosso país, nomeadamente verificou-se que 42% dos alunos já ouviram insultar um professor na escola.
Também numa outra investigação recentemente realizada no nosso país (CURTO, 1998), com alunos do 7.º ano de escolaridade, verificou-se que a maioria dos alunos inquiridos consideram que as turmas de que fazem parte são “pouco disciplinadas” (46%) ou “indisciplinadas” (13.3%), comparativamente aqueles que consideram as suas turmas “disciplinadas” (34.5%) ou “muito disciplinadas” (3.5%).
Face a estas situações começam a ocorrer manifestações de saudosismo relativamente às práticas utilizadas no passado e, entretanto, criticadas e abandonadas em países considerados dos mais desenvolvidos do mundo e que constituem modelos de democracia, liberdade e inovação. Nos EUA é onde estas manifestações ocorrem de forma mais radical com a defesa do castigo físico nas escolas por responsáveis políticos, a expulsão da escola de uma criança de 6 anos por ter beijado na face uma colega, e a oferta, por associações de professores,
de cursos de judô para que os professores se defendam dos alunos. Também alguns responsáveis políticos de países da Europa defendem a reintrodução do castigo corporal, nomeadamente a Ministra da Educação e do Emprego de Inglaterra. Em Portugal, embora as situações de indisciplina (ainda) não tenham as proporções que se verificam nestes países, já há manifestações de saudosismo que apontam no mesmo sentido.
Nomeadamente, num estudo de opinião, metade dos participantes defendem a reintrodução de reguadas pelos professores (FERNANDES, 1996). Por seu turno, a Confederação de Pais (CONFAP) considera que deveria haver mais castigos nas escolas, afirmando que “as estatísticas podem dar a ideia de que está tudo bem, o que não é verdade” (LIMA, 1997, 20), pois em 1996, de mais de um milhão de alunos das escolas públicas portuguesas, houve apenas vinte e sete suspensões por períodos iguais ou superiores a oito dias, quando a frequência de situações de indisciplina graves, nomeadamente a agressão aos professores, é muito superior.
Conforme já tivemos oportunidade de defender num trabalho anterior (JESUS, 1996b), as estratégias punitivas, aparentemente eficazes por provocarem medo nos alunos, apenas apresentam efeitos a curto prazo, sendo necessário aumentar a intensidade e a frequência da punição para continuar a ter os mesmos efeitos sobre o comportamento destes. Além disso, o professor funciona como modelo agressivo quando deveria fornecer um exemplo de estabilidade e serenidade aos seus alunos. Por seu turno, as suspensões são entendidas por muitos alunos indisciplinados como “uns dias de férias”, não tendo as implicações correctivas que tinham no passado ao nível do seu comportamento.
Tendo em conta que a realidade actual é completamente diferente e que os problemas devem ser analisados no contexto histórico-social em que ocorrem, não nos parece que o retorno às práticas de educação escolar utilizadas no passado possa constituir a via mais adequada para resolver os problemas que se colocam aos professores na actualidade. Passámos de uma educação escolar caracterizada por um elevado autoritarismo para um sistema demasiado permissivo, sendo fundamental encontrar um ponto de equilíbrio.
Especificamente, no que diz respeito à gestão da indisciplina dos alunos, é necessária uma acção concertada a vários níveis, em particular no plano sociopolítico, no plano da organização e gestão das escolas, no plano do trabalho dos professores em equipa e no plano da colaboração entre professores e pais, para além das estratégias que o professor pode utilizar na sala de aula.
De seguida, apresentamos algumas das estratégias que os professores podem utilizar para prevenir e gerir situações de indisciplina dos alunos:
1. manter-se sempre calmo, sereno e seguro, no sentido de modelar o comportamento dos alunos;
2. ser flexível, desde que coerente e estável, na forma de actuação, podendo alguma surpresa no comportamento do professor em relação aos alunos permitir uma maior eficácia na influência sobre estes (por exemplo, o professor pode aproveitar e manifestar humor nalgumas situações inesperadas em vez de ficar perturbado com elas);
3. evitar confrontos desnecessários, sendo mais tolerante (por vezes, é preferível que o professor faça que não percebe ou que deixe passar algumas situações menos graves do que tentar controlar todas as situações, pois pode perder a eficácia na actuação quando realmente se justifica intervir);
4. nunca se esquecer que também já foi aluno, criança ou adolescente, e que também gostava de brincar;
5. evitar categorizar ou rotular os alunos indisciplinados, pois pode estar a contribuir para a manutenção do comportamento destes (por exemplo, não dizer “tinhas que ser tu”);
6. não se distanciar dos alunos indisciplinados, apenas estabelecendo relação com eles quando apresentam comportamentos de indisciplina, pois nenhum aluno é sempre indisciplinado durante todos os minutos em que decorrem as aulas;
7. tendo em conta que os comportamentos de disciplina também podem ser aprendidos, enfatizar os aspectos positivos do comportamento e da aprendizagem dos alunos, encorajando os seus progressos e fomentando uma expectativa de autoconfiança (por exemplo, dizer “sei que és capaz”), não estabelecendo interacção apenas quando o comportamento é incorrecto ou quando há insucesso na aprendizagem;
8. dialogar com os alunos indisciplinados, procurando compreender os motivos que estiveram na base dos comportamentos identificados e fazendo com que estes alunos também compreendam o papel do professor, mas sobretudo que o professor também é uma pessoa (também é “de carne e osso”) que deve ser respeitada;
9. fazer com que os alunos voltem a acreditar que podem vir a alcançar resultados escolares positivos;
10. orientar a participação dos alunos para as matérias em análise, valorizando e incentivando essa participação;
11. delegar funções de “assistente” no líder informal da turma, para a gestão da indisciplina na sala de aula;
12. separar os alunos que perturbam;
13. repreender os alunos em particular e apenas quando tal atitude é efectivamente necessária;
14. identificar os casos de alunos com problemas familiares (por exemplo, agressividade na família ou alimentação deficiente) e tentar contribuir para a resolução de tais situações;
15. nos questionários feitos no início do ano lectivo, a todos os alunos que entram no ensino básico ou secundário, colocar questões sobre violência escolar, nomeadamente sobre motivos e formas de resolução que os alunos têm para propor no sentido de diminuir a ocorrência e gravidade destas situações;
16. estabelecer contratos (gestão de contingências) que identifiquem os comportamentos a corrigir pelos alunos, no sentido de os responsabilizar e de os levar a desenvolver uma “disciplina interior”.
Aliás, o desenvolvimento da autodisciplina deve ser o objectivo de qualquer estratégia para gerir a indisciplina dos alunos (ARENDS, 1995; ESTRELA, 1992).
• Os exercícios de simulação são fundamentais para o desenvolvimento de competências profissionais ao nível da formação inicial (ESTEVE e FRANCCHIA, 1986). No entanto, ao nível da formação contínua de professores parece-nos que o desenvolvimento profissional passa sobretudo pelo trabalho em equipa, envolvendo a troca de experiências, num clima de autenticidade, empatia e cooperação.
A existência de regras implica o trabalho em equipa pelos professores de uma mesma escola, para troca de experiências, definição de perspectivas de intervenção e encontrar consensos quanto aos comportamentos que devem ser considerados de indisciplina. A indisciplina integra todos os comportamentos que os alunos apresentam na sala de aula que perturbam o trabalho que o professor pretende realizar, podendo uns professores considerar que certos comportamentos constituem indisciplina e outros não (por exemplo, bocejar, mastigar
pastilhas elásticas, usar boné, participar sem pedir a palavra ou distrair-se facilmente). É necessário que os professores se reúnam para encontrar consensos e definir regras claras sobre os comportamentos aceitáveis e os não aceitáveis, evitando que os alunos possam argumentar “mas o professor X deixa fazer”. Estas regras devem ser apresentadas pelo Directores de Turma aos alunos logo na primeira aula e explicar-lhes porquê que são necessárias, podendo também, inclusivamente, ser afixadas nas salas de aula.
Tivemos oportunidade de verificar na Escola EB 2+3 de Santa Iria em Tomar, em que estava afixado um documento, elaborado pelo Conselho Pedagógico, que definia as regras de actuação do aluno na sala de aula, sendo distinguido o que ele deve fazer (por exemplo, “entrar/sair ordenadamente”, “ser pontual”, “sentar-se
correctamente” e “aguardar a sua vez de falar”) e o que ele não deve fazer (por exemplo, “trazer pastilhas elásticas”, “levantar-se sem autorização” e “danificar o material escolar”). Também numa outra escola, a Escola C+S Dr. João Rocha-Pai de Vagos, havíamos verificado que havia um documento afixado nas diversas salas de aula sobre “Aprender a aprender”, no sentido de ajudar os alunos a identificar e a desenvolver competências de métodos de estudo que lhes permitissem aproveitar as suas capacidades e obter melhores resultados escolares. Esta metodologia de afixar e distribuir documentos, com indicações que podem ajudar o aluno a orientar o seu comportamento, parece-nos ser um exemplo a seguir pelas diversas escolas.
Na elaboração do regulamento de disciplina interno também poderiam participar os próprios alunos, bem como os funcionários da escola e os encarregados de educação, tornando o estabelecimento de regras mais participado, permitindo aumentar a responsabilização pela sua concretização por todos os intervenientes.
Muitos professores, quando os alunos apresentam comportamentos de indisciplina, por vezes, questionam-nos sobre as consequências esperadas (por exemplo, perguntam ao aluno “o que é que tu merecias?”), ficando surpreendidos com o nível de exigência que eles apresentam relativamente às consequências que deveriam decorrer do seu próprio comportamento de indisciplina, revelando que os alunos também poderiam ser envolvidos neste processo de definição de regras de disciplina.
Esta abertura dos professores ao feedback fornecido pelos alunos pode ser um factor essencial do desenvolvimento e da aprendizagem dos professores, no sentido de regularem e aperfeiçoarem as suas próprias práticas educativas. A investigação conduzida por Curto (1998) permitiu verificar que os alunos consideram que os professores têm muita influência no potencializar de situações de indisciplina. Nomeadamente, a maioria dos alunos considera que “a indisciplina depende do professor” e que “a simpatia do professor diminui a indisciplina dos alunos”.
No âmbito de um projecto de investigação que coordenámos (JESUS e XAVIER, 1997) foram obtidos resultados que evidenciam que o diálogo com os alunos sobre estratégias para gerir a indisciplina destes últimos pode ser factor de desenvolvimento, aprendizagem e aperfeiçoamento profissional. Inclusivamente, começa a ser proposta (CARITA e FERNANDES, 1997) que não sejam apenas os professores a identificar os comportamentos indesejáveis dos alunos e a formularem regras no sentido de evitar a sua ocorrência, mas que também sejam os alunos a identificar os comportamentos de professores que perturbam o desenrolar de processos de ensino e aprendizagem.
Em todo o caso, a adequação das estratégias utilizadas pelos professores depende também do nível de desenvolvimento psicossocial e moral dos alunos (GOMEZ, MIR e SERRATS, 1993; SPRINTHALL e SPRINTHALL, 1993). Por exemplo, enquanto na fase em que a criança frequenta o jardim de infância pode ter sentido a utilização da força física, não enquanto agressividade, mas sim para restaurar o controlo da situação pelo educador, no 1.º Ciclo parece ser mais relevante o uso de reforços materiais, sobretudo positivos, e no 2.º e 3.º Ciclos pode ser utilizada a força do grupo social, em termos de aprovação ou desaprovação.
A formulação de regras com a participação de todos os intervenientes, no sentido de aumentar a responsabilização pela sua concretização, requer que os participantes se encontrem no nível pós-convencional do desenvolvimento moral, o que ocorre durante o Ensino Secundário. Assim, a análise da gestão da indisciplina deve pressupor uma abordagem desenvolvimentista que se traduza na sugestão de estratégias diferenciadas para cada nível de ensino (JESUS e XAVIER, 1998).
As estratégias, atrás apresentadas, são algumas que os professores podem utilizar no sentido de uma maior facilidade na gestão da disciplina dos alunos na sala de aula. No entanto, não há receitas universais e cada professor deve procurar aprender a partir da própria experiência, sendo coerente consigo próprio. Fundamentalmente, se o professor quer ser respeitado pelos seus alunos, tem que ele próprio respeitar-se e apreciar as suas qualidades pessoais e profissionais. Assim, uma das regras que o professor deve ter em conta é tentar analisar
o seu próprio comportamento face às situações de indisciplina dos alunos e procurar aprender com essas experiências, no sentido de um maior autoconhecimento e aperfeiçoamento progressivo.
Saul Jesus
Estratégias para motivar os alunos
Educação, Porto Alegre, v. 31, n.º 1, p. 21-29, jan./abr. 2008
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