sábado, 6 de agosto de 2011

Novo Programa de Português gera polémica

Entra em vigor em Setembro

Novo programa de Português tem na base documento que Nuno Crato considera inútil

06.08.2011 — 13:49 Por Clara Viana

O novo programa de Português do ensino básico, que entra em vigor em Setembro, incorpora as orientações estipuladas há 10 anos num documento — “Currículo Nacional do Ensino Básico, Competências Essenciais” — que o actual ministro da Educação e da Ciência, Nuno Crato, considera “inútil, mal organizado, palavroso e repleto de orientações pedagógicas que são caducas”, segundo reafirmou em Julho passado.

É um documento “contra o qual eu tenho bramado e continuo a bramar”, acrescentou.

Nuno Crato já anunciou que pretende fazer reformas profundas nos programas de Português e de Matemática, embora tenha frisado que tal não será possível para já. No ensino básico, para ambas as disciplinas foram homologados, nos últimos anos, novos programas para substituírem os que estavam em vigor desde o início dos anos 90. Um dos principais objectivos desta revisão foi o de adaptar os programas ao Currículo Nacional do Ensino Básico, aprovado em 2001, o último ano do segundo governo de António Guterres.

Em resposta a questões do PÚBLICO, o gabinete de imprensa do ministério indicou, num primeiro momento, que o novo programa de Português estava a ser avaliado e confirmou depois que entraria em vigor na data prevista ou seja, em Setembro, no arranque do próximo ano lectivo.

A adopção do novo programa de Matemática foi generalizada no último ano lectivo. O de Português deveria também ter entrado em vigor nessa altura, mas a então ministra Isabel Alçada decidiu adiar por um ano, alegando que este necessitava de ser adequado às metas de aprendizagem que estavam a ser definidas para cada ciclo de ensino.

O programa entrará agora em vigor para o 1.º, 5.º e 7.º ano de escolaridade, os primeiros dos três ciclos do ensino básico. Foi elaborado por uma equipa coordenada pelo ex- reitor da Universidade Aberta, Carlos Reis, e uma das suas principais novidades é a revalorização do estudo da gramática, que no Currículo Nacional do Ensino Básico é apontada como uma “competência essencial”. O que não sucedia no programa até agora em vigor. Neste recomendava-se também que o estudo da gramática devia ser feito sempre em contexto e não autonomamente.

A designação “Funcionamento da Língua”, que até agora integrava esta componente, é substituída por “Conhecimento Explicito da Língua”. Paulo Guinote, autor do blogue A Educação do meu Umbigo e professor de Língua Portuguesa do 2.º ciclo, foi um dos muitos docentes que recebeu formação prévia com vista à implementação do novo programa. Confirma que uma das vantagens deste “passa por se leccionar os conteúdos do conhecimento explicito da língua enquanto ‘matérias’ facilmente identificáveis e individualizáveis”. “São matérias de estudo e não apenas conteúdos que “brotam” dos textos lidos”, como sucedia até agora, precisa.

Duplo desafio
O falhanço dos alunos do 12º ano nas questões de gramática incluídas no último exame nacional confirma uma “maleita” ” identificada nos estudos preparatórios que levaram à elaboração do novo programa de Português. Concluiu-se ali, por um lado, que, em final de ciclo, os alunos continuam a ter dúvidas e dificuldades na resolução de problemas e exercícios que envolvam conhecimento de gramática. E, por outro que “muitos docentes consideram que o trabalho sobre gramática é menos útil do que o trabalho sobre competências de leitura, escrita e produção e expressão oral”.

O novo programa pretenderá responder a estas lacunas, mas vários docentes apontam-lhe um ponto nevrálgico que poderá, segundo eles, comprometer este objectivo. Um dos documentos essenciais para a sua implementação, que dá pelo nome de Dicionário Terminológico, resulta da revisão da polémica Terminologia Linguística para os Ensino Básico e Secundário (ver texto nestas páginas). Apesar de simplificado por comparação à TLEBS, continua a ser de “excessiva complexidade”, afirma Guinote. Fátima Gomes, professora de Português do ensino secundário, confirma: “Nasceu torto e em muitas questões não há, claramente, adequação ao nível de ensino”.

Já para João Costa, um dos autores da revisão da TLEBS e coordenador da comissão de acompanhamento da implementação do novo programa de Português, o que se passou no exame do 12.º ano veio precisamente mostrar que não é a mudança da terminologia “que está em causa”: numa das questões onde se registaram mais erros o que se pede é a identificação de um sujeito, “ termo que está inalterado desde Aristóteles e que devia ser conhecido dos alunos desde o 3.º ou 4.º ano de escolaridade”.O novo programa é construído em função de uma matriz comum aos três ciclos. Os seus autores frisam que se espera, assim, “anular o risco de eles serem considerados momentos de ensino e aprendizagem estanques”. Esta articulação entre os ciclos “é positiva e necessária”, frisa Fátima Gomes.

Na prática, os alunos do 5.º e 7.º ano vão ter pela frente, já a partir de Setembro, um duplo desafio. À semelhança de todos os outros estudantes terão de reaprender a escrever segundo as regras do Acordo Ortográfico, que também a partir deste ano lectivo passará a ser a “escrita” oficial das escolas. E, acrescenta Guinote, com uma nova terminologia linguística “terão também de ‘desaprender’ certas designações com as quais estavam familiarizados e substituí-las por outras”.

PÚBLICO

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