Todavia, para que uma família funcione educativamente, é imprescindível que, nela, alguém se resigne a ser adulto. E receio que se trate de um papel que não pode ser decidido por sorteio, nem por meio de uma votação em assembleia. O pai que não quer parecer senão «o melhor amigo dos seus filhos», um tanto semelhante a um companheiro de jogos enrugado, de pouco serve; e a mãe, cuja única vaidade profissional é que a tomem por irmã ligeiramente mais velha que a sua filha, também não vale muito mais. São, decerto, atitudes psicologicamente compreensíveis, e a família, através delas, torna-se mais informal, menos directamente frustrante, mais simpática e falível: mas, em contrapartida, a formação da consciência moral e social dos filhos não se vê grandemente favorecida. E é evidente que as instituições públicas da comunidade sofrem uma perigosa sobrecarga. Quanto menos os pais querem ser pais, mais paternalista se exige que seja o Estado. Há alguns meses, os meios de comunicação espanhóis ocuparam-se dessas discotecas que estão abertas dia e noite, ininterruptamente, permitindo aos adolescentes que passem fins-de-semana de três dias sem irem a qualquer outro lado, viajando de umas para outras num estado de sobriedade cada vez mais deteriorado, que tem por efeito frequentes acidentes de viação mortais, perda de concentração nos estudos, etc. Os pais, admitindo que não podiam ser guardas dos seus filhos, exigiam do Estado-papá que encerrasse esses estabelecimentos tentadores ou, pelo menos, controlasse com maior rigor poli- cial os que utilizavam veículos motorizados para se deslocarem de uma discoteca para outra. Não sei se estas medidas de vigilância serão oportunas, mas é, em todo o caso, surpreendente a facilidade com que os progenitores tinham por adquirido que, sendo eles incapazes de se encarregarem dos seus rebentos, o Ministério do Interior tinha o dever de controlar os de todos os espanhóis.
Trata-se, como costuma dizer-se, de uma crise de autoridade nas famílias. Mas que supõe a crise em questão? Em primeiro lugar, uma antipatia e receio que visam não tanto a própria ideia de autoridade (ouvem-se cada vez mais críticas endereçadas às instituições pela sua falta de autoridade e reclama-se histericamente «mão dura») como a perspectiva da sua assunção pessoal no interior da família e da responsabilidade que esta atribui. Na sua essência, a autoridade não consiste em mandar: etimologicamente, a palavra vem de um verbo latino que significa qualquer coisa como «ajudar a crescer». A autoridade na família deveria servir para ajudar a crescer os membros mais jovens, configurando, do modo mais afectuoso possível, aquilo a que, servindo-nos da gíria psicanalítica, poderemos chamar o seu «princípio de realidade». Este princípio, como é sabido, implica a capacidade por parte de cada um de limitar as suas próprias inclinações tendo em vista as dos outros, e de adiar ou temperar a satisfação de alguns prazeres imediatos tendo em vista o cumprimento de objectivos recomendáveis a longo prazo (recordemos aqui o que dissemos no capítulo anterior sobre a educação como a imposição do tempo ao educando). É natural que as crianças careçam da experiência vital imprescindível à compreensão da sensatez racional desta exigência, pelo que esta deve ser-lhes ensinada. As crianças — verdade óbvia, mas frequentemente esquecida — são educadas para virem a ser adultos, e não para continuarem a ser crianças. São educadas a fim de crescerem melhor, e não para não crescerem... ainda que, seja como for, acabem irremediavelmente por crescer. Se os pais não ajudarem os filhos, por meio da sua autoridade amorosa, a crescerem e a prepararem-se para ser adultos, serão as instituições públicas que se verão obrigadas a impor-lhes o princípio de realidade, não por meio do afecto, mas da força. E o resultado não será mais que crianças envelhecidas e desordeiras, em vez de livres cidadãos adultos.
Fernando Savater, O Valor de Educar, Lisboa: Dom Quixote, 2006, pp. 70-71
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