O documentário grego A Dividocracia, exibido pela SIC, é um requisitório impressionante, por didáctico, contra o capitalismo ultraliberal, que está a destruir, na Europa e no mundo, o resto das sociedades solidárias. O cerco feito às nações periféricas obedece à estratégia que visa a imposição de uma hierarquia do poder económico sobre o poder político. Eis as origens desta nova “guerra fria”.
Não chega dizer-se que a batalha se estabelece entre o dólar e o euro, e que a União Europeia está seriamente ameaçada. O documentário esclarece que a limitação entre as esferas económica e política foi dissolvida, e a sua “legitimação” estabelecida por argumentos fraudulentos. Assistimos, neste momento, em Portugal, à ilustração da tese. O Governo não só se afirma reverente ao memorando da troika (subscrito pelo PS, não o esqueçamos) como declara desejar ir mais além. Neste mundo de regras absurdas, de compressões e de constrangimentos, a democracia está ameaçada e a liberdade corre perigo.
Os abusos do poder encontram os portugueses desprotegidos e debilitados. As margens incertas da “estabilidade” servem para dar a ideia de um equilíbrio institucional inexistente. E o que é dito na imprensa, nas rádios e nas televisões é o mais ignaro compromisso com a leviandade e com a servidão. As coisas têm profundas relações umas com as outras. Quem e que instituições nos fizeram devedores de quantias extraordinárias? A ideia circulante fundamenta-se em que os políticos actuais são medíocres ou corruptos. Serão tudo isso, e as provas e os testemunhos no-lo afiançam. Mas uma nova grelha de leitura e de interpretação dos factos conduz-nos à compreensão de que a ideologia neoliberal não é associável à democracia, pela sua própria natureza totalitária.
Numa entrevista à revista Notícias Magazine, Maria de Belém Roseira, à pergunta: “Considera que o governo financeiro e económico que o mundo tem é condenável?”, respondeu: “É absolutamente destrutivo. Há um sociólogo, Ulrich Beck, que diz mesmo não perceber como é que o neoliberalismo ainda não reflectiu sobre o facto de ele próprio vir dar razão a Karl Marx por o capitalismo poder destruir-se a si próprio.” A relação ávida com o poder e com o lucro ameaça, inclusive, a identidade das nações e afronta a dignidade das pessoas. A questão é tão grave e chegou a tal ponto que Bento XVI (o qual não é, propriamente, um progressista) entendeu vituperar “os excessos demoníacos do capitalismo selvagem”. A ambiguidade consiste em que o capitalismo não é “selvagem” ou “civilizado”; é, simplesmente, capitalismo, com múltiplas e sinistras máscaras.
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