terça-feira, 3 de março de 2009

OPINIÃO > Cunha Ribeiro: «ESPERTOS, INTELIGENTES E AFINS»

Já aqui publiquei há algum tempo um texto de opinião com este título. Recebi agora do seu autor uma segunda versão, a que agora aqui publico.

Quando ouvi pela primeira vez a explicação do que era aquilo do “Clero, Nobreza e Povo”, confesso que fiquei, logo aí, meio desconfiado da bondade humana… Sobretudo, custou engolir, que a divisão da sociedade em classes era quase uma imposição divina e que O POVO era a única das classes “ que trabalhava no duro; que pagava impostos; a mais humilde, mais indigente e a mais pobre e mal vestida”. Depois de ouvir esta última parte da lição, olhei para as minhas calças, meio coçadas e remendadas, para as minhas botas com a borracha nas lonas, e pensei : “ pronto, já sei o que me espera… e ainda por cima não há nada a fazer…”. E essa fatalidade social ainda saía mais reforçada pela boca da catequista, na doutrina, ao falar da tríade divina “Pai, Filho e Espírito Santo” e dos mundos escondidos “do Céu, do Purgatório e do Inferno”. Parecia que tudo tinha que estar dividido em TRÊS. Daí a minha perturbação…O certo é que, fatalidade divina ou terrena, vários séculos depois, temos o mundo ainda dividido em classes. Não são as mesmas (terão apenas mudado as moscas…) mas continua tudo às fatias . E então hoje o que temos? Hoje temos a classe dos ESPERTOS, a dos INTELIGENTES e a dos AFINS.

Os ESPERTOS, como se sabe, estão presentes em todas as profissões ( marcam sobretudo presença na difícil profissão de “ladrão” – onde se revela a nata dos espertalhões que há em todas). Felizmente (para o bem estar social), os ESPERTOS ainda são uma minoria. Mas uma minoria que cresce a um ritmo assustador. E porque é que os ESPERTOS são ainda uma minoria? Porque para ser ESPERTO é preciso ter vários “talentos” reunidos numa só pessoa. Para ser ESPERTO é preciso, por exemplo, ter lata. E antes muita do que pouca. Ter lata significa sair-se bem em todas as dificuldades da vida. E os ESPERTOS usam essa arma com exímia mestria. Depois, ser ESPERTO também requer o perfeito domínio da arte da mentira. O ESPERTO mente com muita habilidade e perícia. O ESPERTO é tão esperto que é mentiroso e parece que não . É um mágico da oralidade e dá erros na escrita. É, também, um inventor de palavras que, para os mais atentos, lhe saem da boca a soar a falso. É um rocambolesco malabarista. Um “Vale e Azevedo” ainda mais dotado . O ESPERTO é aquele que mente bem. Que mente depressa. Que mente muito e com convicção. E, como é ESPERTO, escolhe a dedo aqueles a quem vai enganar, para o êxito da mentira ser infalível. O ESPERTO não precisa de tirar um curso superior para ter êxito na vida, e , caso precise do curso para ocupar um cargo p`ra ESPERTOS, num abrir e fechar de olhos, ele desenrasca o diploma. O ESPERTO também não precisa ser culto. Basta fingir que o é, mentindo. Pode nunca ter lido os Lusíadas, mas, junto de quem nunca os leu, e que não seja ESPERTO, nem INTELIGENTE, é capaz de afirmar que já os leu muitas vezes, e, para convencer de vez, até é capaz de citar um verso qualquer, memorizado num jantar de espertos, dizendo que é dos Lusíadas. Os ESPERTOS, em geral, são os que se colam ao poder porque acham que é aquele o seu destino. Os ESPERTOS , por serem espertos, são aqueles que governam . Governam mal os outros, mas governam-se bem eles próprios. Desde o maior ao mais pequeno poder, à frente dele, a mandar, há-de estar um ESPERTO. Assim, o ESPERTO, ou é Ministro ( e, quantas vezes, o “Primeiro”), ou Presidente da Câmara ( sobretudo, se também é sócio de uma empresa intermunicipal), ou Presidente da Junta ( sobretudo, se diz sempre “ámen” ao Presidente da Câmara ).Também são ELES, os ESPERTOS, os que mais dinheiro têm. Não à custa do seu próprio esforço, mas à custa da sua esperteza. Os ESPERTOS são exímios a multiplicar o dinheiro dos outros, mas metem o produto da multiplicação no seu bolso. Os ESPERTOS detestam pagar impostos, por isso houve um ESPERTO qualquer que inventou os Paraísos Fiscais. Os ESPERTOS, ou são gestores bancários (sobretudo, de bancos com off-shores) ou presidentes de clubes de futebol ( sobretudo, dos clubes em que há resmas de fanáticos que se põem a jeito face à rapina) ou empreiteiros ( sobretudo, de obras públicas em contínua derrapagem), ou, por aí fora; Os ESPERTOS são ainda os chefes de quase tudo ( sobretudo os que são promovidos à base da cunha). Os ESPERTOS não estudam demais, não trabalham demais, não se esforçam demais. Os ESPERTOS revelam-se logo nos bancos da escola, pois têm excelentes notas porque copiam nos testes; No trabalho, são os que mais cruzam as pernas e engraxam o chefe; Se vão a um espectáculo, não compram bilhete. Se compram bilhete, não vão ao espectáculo, e vendem-no dez vezes mais caro. Há ESPERTOS capazes de tudo: de comer à custa dos outros; de viajar em primeira com bilhete de segunda; de fazer de polícia, sendo ladrão; de “roubar” dinheiro a um “amigo” para lho emprestar a seguir. ( e, algum tempo depois, o ESPERTO processa o “amigo” para reaver aquele dinheiro e muito mais, porque o ESPERTO além de ser esperto, é usurário). Enfim, o ESPERTO é tão hábil, tão cheio de magia, que é mesmo capaz de ir a tribunal jurar sobre o que nunca viu nem presenciou. E, quantas vezes, no enredo da sua descarada mentira, faz com que esta pareça de tal modo verdadeira que o próprio julgador ( humanamente caído no logro) a admite como a pura e absoluta verdade.

Quanto aos INTELIGENTES, a história é outra. Os INTELIGENTES são todos os que sabem tanto ou mais que os ESPERTOS mas, ou não têm feitio para serem espertos, e, por isso, não o são ( o pior é que, às vezes, o feitio muda, e logo se tornam ESPERTOS). Ou tiveram uma educação moral muito séria para o poderem ser. Os INTELIGENTES, ou foram ESPERTOS à nascença e , pela educação, ficaram a preencher o quadro dos INTELIGENTES, ou já nasceram INTELIGENTES e não se deixaram influenciar ( corromper) pelos ESPERTOS. Mas há muitos INTELIGENTES que, se fossem ESPERTOS, não queriam ser INTELIGENTES… Ao grupo dos INTELIGENTES pertence, felizmente, a grande maioria da humanidade. Os INTELIGENTES são todos os trabalhadores por conta de outrem e os empresários ( sobretudo os pequenos e médios - mas só os que pagam impostos). São também a maioria dos médicos, dos advogados, dos magistrados, dos agricultores , dos professores…

E os AFINS quem são? Há duas subclasses de AFINS: os PRÓ-ESPERTOS e os PRÉ-INTELIGENTES. Os PRÓ-ESPERTOS, são os que estão em trânsito da classe dos INTELIGENTES para a classe dos ESPERTOS. São todos os que “despertaram” para a ESPERTALHICE. A esta subclasse pertencem todos os que almejam ser ESPERTOS. Por isso são perigosos concorrentes destes. A esta subclasse pertencem os subchefes de tudo ( das finanças, das esquadras, e por aí fora). Também os Secretários e sub-secretários de Estado…. Quanto aos PRÉ-INTELIGENTES, prefiro não falar deles. Não porque não mereçam que se fale deles, mas porque não vou em ironias com quem é vítima quer dos ESPERTOS quer dos PRÓ-ESPERTOS.

P.S.: Não referi os deputados. Não foi por esquecimento. Foi só porque é uma actividade que até parece já não ter “classe”. Mas é evidente que também são ESPERTOS ( sobretudo, os que lá não estão nem p`ra falar, nem p`ra votar… por terem ido, algures, “à missa”…)

CUNHA RIBEIRO, Barcelos

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