Esta crise não se percebe com a declaração (deleitada) do fracasso do "neoliberalismo" (quem sabe o que é precisamente o "neoliberalismo"?), nem com vociferações, que já se tornam ridículas, sobre a irresponsabilidade e a "ganância" de Wall Street, da City e outros lugares de perdição. Talvez seja bom começar pelo que, de facto, aconteceu. A crise foi revelada pelo problema do subprime na América, ou seja, pelo excessivo crédito de risco à habitação, sem qualquer forma de garantia ou expectativa racional de pagamento. Mas não veio exclusivamente daí, nem por si mesmo o subprime explica o resto da história. O facto é que todo o crédito cresceu sem lógica ou limite, até ao ponto em que desde o Estado americano à grande banca (comercial ou de investimento) e a uma qualquer companhia de seguros pouco ilustre, o mundo inteiro ficou endividado.
Isto quer dizer duas coisas. Em primeiro lugar, que centenas de milhões de pessoas, na América, na Ásia e na Europa, se habituaram a viver para lá dos meios que tinham ou que podiam ter, pelo artifício simples de gastar o dinheiro que não era deles. E, em segundo lugar, que isto se passou com a cumplicidade e colaboração do Estado (Estados, na verdade), de instituições financeiras e de organismos reguladores de carácter nacional ou internacional. Aqui, por exemplo, há anos que se fala no endividamento das famílias (mais de 100 por cento do PIB), no endividamento do Estado e no endividamento da banca. Só que, tirando um ocasional "velho do Restelo" suficientemente ingénuo para ir à televisão arrancar os cabelos, não se fez nada.
A animosidade crescente contra os responsáveis pela catástrofe é, em parte, merecida. O cidadão comum não compreende a justiça subjacente ao caso. Quem rouba um automóvel ou uma bicicleta (um delito certamente menor) marcha direitinho para a cadeia. Quem cria uma desordem financeira, sem precedente histórico, e contribui para o sofrimento de milhões, continua no gozo da sua importância e dos seus proventos. Sucede que as finanças são uma disciplina abstracta e, pior ainda, "irreal". Quem especula em Wall Street, na City, em Madrid ou Lisboa não vê a "realidade" como ela é. Vê uma "realidade" arrumada e matemática, que obedece às suas próprias leis. E, quando essa "realidade" se impõe como universal e única, o fim está próximo. Principalmente, se por oportunismo os políticos também perdem a cabeça e decidem acreditar na tribo da economia e dos "negócios".
sexta-feira, 10 de outubro de 2008
OPINIÃO - Vasco Pulido Valente: «Não acreditem neles»
A crónica de Vasco Pulido Valente hoje no jornal PÚBLICO:
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