O adiamento dos Novos Programas de Português, que já não entram em vigor no próximo ano lectivo, espelha indubitavelmente as vicissitudes das intermináveis reformas do sistema educativo nacional. Com efeito, o actual momento do ensino do Português configura contornos particularmente insólitos e desprovidos dos mais elementares propósitos didáctico-pedagógicos, como a seguir procurarei demonstrar.
A implementação dos novos programas da língua materna surgiu de um modo abrupto, sem a necessária reflexão decorrente da sua experimentação nalgumas escolas-piloto, nem a exigida formação dos docentes, o que justifica, em grande parte, a medida agora tomada. Faltou, de facto, o bom senso da entrada gradual do programa a partir do primeiro ano de escolaridade com os previsíveis ajustamentos provenientes da prática pedagógica realizada. Assim, neste processo repleto de inúmeras incoerências afiguram-se inadmissíveis determinadas opções metodológicas. Entre elas, registe-se que não existe nos programas uma orientação esclarecedora sobre planificações ou sequências didácticas (os conteúdos não estão sequer distribuídos por anos…), bem como não há ─ imagine-se ! ─ uma explicitação sobre a avaliação das aprendizagens. Surge, na realidade, um emaranhado de descritores de desempenho, conteúdos e metas de aprendizagem que as escolas a seu bel-prazer deverão anualizar, isto é, repartir por cada ano, simulando uma pretensa autonomia pedagógica.
Outra área crítica dos programas suspensos prende-se com a aplicação do Dicionário Terminológico, estranha designação para questões gramaticais que a maioria dos professores não domina. Herdeiro da TLEBS, o Dicionário é, como facilmente se observa, um mero índex imposto por decreto sem um amplo enquadramento pedagógico nem um alargado consenso científico, comprovado pelas severas críticas que têm vindo a lume de reputados linguistas. Recordo que a “Nova Gramática do Espanhol”, saída em Dezembro do ano findo, contou com 11 anos (sic) de trabalho das 22 Academias de Língua Espanhola …
Não menos candente neste processo de aprendizagem da língua portuguesa é o famigerado Acordo Ortográfico, cuja entrada em vigor foi sucessivamente protelada na legislatura passada e, mais recentemente, pela actual Ministra da Educação. Fruto de meros interesses políticos, a uniformização da escrita deveria proporcionar um amplo debate multidisciplinar pela importância de que se reveste a ortografia do português. No entanto, esta matéria tem passado ao lado das escolas; os professores de língua materna não tiveram (nem vão ter, segundo declarou Isabel Alçada) qualquer sensibilização ou formação sobre a sua aplicação concreta.
Neste inquietante e confuso contexto em torno do ensino do nosso idioma, acrescente-se ainda uma revisão curricular do ensino básico…
Pelo que fica dito, as dificuldades a ultrapassar são muitas, como revelam os baixos índices de literacia dos jovens portugueses apresentados no Pisa 2007, estudos internacionais realizados pela OCDE. No entanto, este assunto não mereceu na altura própria a devida atenção da tutela, dos agentes educativos e dos meios de comunicação. A imprensa europeia deu conta desses resultados que, a título de exemplo, mereceram chamada à primeira página do “La Stampa” e nota editorial no “El País”.
Neste mar tempestuoso, onde os escolhos espreitam a cada instante, é necessário encontrar rumos que levem a bom porto uma cabal política de língua. Os sucessivos equívocos e dislates da mais variada ordem testemunham as desastrosas políticas educativas que tem vigorado em Portugal, pelo que fica a esperança que é possível fazer melhor …
Afonso de Albuquerque
via ProfBlog
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