segunda-feira, 23 de maio de 2011

«O grande dever do jornalismo»

O grande dever do jornalismo

É o grande dever do jornalismo fazer conhecer o estado das coisas públicas, ensinar ao povo os seus direitos e as garantias da sua segurança, estar atento às atitudes que toma a política estrangeira, protestar com justa violência contra os actos culposos, frouxos, nocivos, velar pelo poder interior da pátria, pela grandeza moral, intelectual e material em presença das outras nações, pelo progresso que fazem os espíritos, pela conservação da justiça, pelo respeito do direito, da família, do trabalho, pelo melhoramento das classes infelizes.

A actividade do jornalismo nunca deve abrandar, a sua consciência deve ter sempre o mesmo vigor, a sua pena o mesmo colorido, o seu sentimento moral a mesma justa intensidade.

O jornalismo não sabe que há o abatimento moral, o cansaço, a fadiga, o repouso. Se ele repousasse, quem velaria pelos que dormem? É áspero, trabalhador infatigável para quem não há noite nem aurora; a luta é terrível, é necessário conservar uma consciência satisfeita e uma energia poderosa para desprezar as calúnias, para afrontar os tédios e os desgostos, fazer face às hostilidades viperinas e incessantes que os poderes promovem, lutar, trabalhar, ter as suas convicções puras e fortes no meio do ódio de uns, do desleixo dos outros, da indiferença, da apatia de todos.

E necessário todos os dias falar, discutir, convencer, ter a consciência do impulso que nos leva, não ter escrúpulo com as inimizades suscitadas, revolver todas as coisas, ou altas como uma relíquia sagrada, ou baixas como um monturo; quando os parlamentos estão abertos é necessário analisar os projectos, destruir os argumentos, esclarecer as discussões, combater os parciais, fortificar os frouxos e os indolentes, aplaudir os valentes buscadores do ideal social e as justas consciências individuais: isto sempre, apesar das comoções pungentes que possam cortar a vida, dos tédios profundos e incu- ráveis que a possam esterilizar. Mesmo quando tudo está imóbil, o espírito popular adormecido, as grandes individualidades silenciosas, os acontecimentos estéreis, a vida monotonizada, é necessário cavar as próprias ideias, violentar a inteligência, gastar, consumir a sensibilidade, falando, discutindo, aconselhando, dirigindo.

Há homens, há trabalhadores de ideias, filósofos, que fazem o mesmo áspero trabalho incessante; mas esses têm a glória, que é como um bálsamo divino derramado nos seus cansaços.

O jornalista não: trabalha, luta, derrama ideias, sistemas, filosofias sociais e populares, estudos reflectidos, improvisações, defesas eloquentes, nobres ataques da palavra e da ideia; pois bem, tudo isso passa, morre, esquece; aquela folha delgada e leve onde ele põe o seu espírito, a sua ideia, a sua consciência, a sua alma, perde-se, desaparece, some-se, sem esperanças de vida, de duração, de imortalidade, como uma folha de árvore ou como um trapo arremessado ao monturo.

Eça de Queirós, Distrito de Évora

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