Otelo: Se soubesse como o país ia ficar, não fazia a Revolução
13.04.2011 — 10:24 Por Lusa
Otelo Saraiva de Carvalho ouve todos os dias populares dizerem-lhe que o que faz falta é uma nova revolução, mas, 37 anos depois, garante que, se soubesse como o país ia ficar, não teria realizado o 25 de Abril.
Aos 75 anos, Otelo mantém a boa disposição e fala da revolução dos cravos como se esta tivesse acontecido há dois dias.
Recorda os propósitos, enumera nomes, sabe de cor as funções de cada um dos intervenientes, é rigoroso nas memórias, embora reconheça que ainda hoje vai sabendo de contributos de anónimos que revelam, tantas décadas depois, o papel que desempenharam no golpe que deitou por terra uma ditadura de 41 anos.
Essa permanente actualização tem justificado, entre outros propósitos, a sua obra literária, como o mais recente “O dia inicial”, que conta a história do 25 de Abril “hora a hora”.
Apesar de estar associado ao movimento dos “capitães de Abril” e aceitar o papel que a história lhe atribuiu nesta revolução, Otelo não esconde algum desânimo. Ele, que se assume como um “optimista por natureza”.
“Sou um optimista por natureza, mas é muito difícil encarar o futuro com optimismo. O nosso país não tem recursos naturais e a única riqueza que tem é o seu povo”, disse, em entrevista à Agência Lusa.
Otelo lamenta as “enormes diferenças de carácter salarial” que existem na sociedade portuguesa e vai desfiando nomes de personalidades públicas, cujo vencimento o indigna.
“Não posso aceitar essas diferenças. A mim, chocam-me. Então e os outros? Os que se levantam às 05:00 para ir trabalhar na fábrica e na lavoura e chegam ao fim do mês com uma miséria de ordenado?”, questiona, sem esconder o desânimo.
Para este capitão de Abril, o que mais o desilude é “questões que considerava muito importantes no programa político do Movimento das Forças Armadas (MFA) não terem sido cumpridas”.
Uma delas, que considera “crucial”, era a criação de um sistema que elevasse rapidamente o nível social, económico e cultural de todo um povo que viveu 48 anos debaixo de uma ditadura”. “Este povo, que viveu 48 anos sob uma ditadura militar e fascista merecia mais do que dois milhões de portugueses a viverem em estado de pobreza”, adiantou.
Esses milhões, sublinhou, significa que “não foram alcançados os objectivos” do 25 de Abril.
“Nunca mais punha os pés no quartel”
Por esta, e outras razões, Otelo Saraiva de Carvalho garante que hoje em dia não faria a revolução, se soubesse que o país iria estar no estado em que está.
“Pedia a demissão de oficial do Exército, nunca mais punha os pés no quartel, pois não queria assumir esta responsabilidade”, frisou.
Otelo justifica: “O 25 de Abril é feito em termos de pensamento político, com a vontade firme de mudar a situação e desenvolver rapidamente o nível económico, social e cultural do povo. Isso não foi feito, ou feito muito lentamente”.
“Fizeram-se coisas importantes no campo da educação e da saúde, mas muito delas têm vindo a ser cortadas agora outra vez”, lamentou.
“Não teria feito o 25 de Abril se pensasse que íamos cair na situação em que estamos actualmente. Teria pedido a demissão de oficial do Exército e, se calhar, como muitos jovens têm feito actualmente, tinha ido para o estrangeiro”, concluiu.
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