Extracto da entrevista de Luís Campos e Cunha, Professor Catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Lisboa, publicada por Ensino Magazine
A contestação à política educativa está na rua. Entende a reacção da corporação dos professores como natural face a uma reforma profunda ou vê legitimidade nos protestos?
O que está em causa, neste momento, é a avaliação dos professores. Trata-se, em si, de um bom objectivo, mas tem sido levado à prática de forma muito pesada, burocrática, desviando os docentes da sua actividade fundamental. O ideal seria escolher dois ou três indicadores mais simples, fáceis de identificar e medir, que retiraria muito dos temores que existem sobre este processo. Por exemplo, no primeiro ano, avaliar apenas as faltas dos professores. Se o docente nunca faltasse durante um período inteiro, seria premiado. A meu ver seria um modo objectivo de responsabilizar os professores. Logo, penso que seria aconselhável introduzir um sistema de avaliação de forma faseada e com escolas piloto.
Pensa que isso iria pacificar o sector?
Repare que hoje a maior parte das universidades já faz essa avaliação. O que acontece é que a novidade cria sempre alguma incerteza e há sempre alguma reacção conservadora. A Faculdade de Economia da Universidade Nova introduziu nos anos 70 o sistema de avaliação dos professores pelos alunos (bem sei que isso não pode ser feito no secundário), o que naquela altura foi considerado algo impensável. Houve protestos noutras faculdades contra uma avaliação desta natureza, tendo sido apelidada, à época, de contra-natura. Hoje é comum.
Referiu em artigos publicados que a educação pré-universitária é a que revela mais carências. Qual é o motivo?
É mais grave porque é uma área em que existem recursos. Se os resultados não surgem, é porque o sistema está mal gerido. A avaliação dos professores é uma peça para a resolução do problema, que é bem mais vasto, a começar pela forma como é visto o papel da escola na comunidade. Ainda hoje estava a ler uma entrevista de um especialista que se dedica ao ensino da matemática no secundário que diz que esta disciplina não tem que ser divertida, mas sim compreendida. A matemática aprende-se com papel e lápis e um bom livro escolar ao lado.
O sociólogo António Barreto escreveu sobre os exames de matemática que «se dantes era necessário estudar as causas dos maus resultados, agora deve estudar-se as causas do milagre». Concorda?
Os exames não são comparáveis de um ano para o outro por não serem bem feitos. Essa é uma das falhas graves e não é preciso inventar a roda: é preciso ter bons técnicos a apoiar quem elabora as provas de exame para que estas sejam comparáveis. E isso é possível, é só querer.
Este Governo preocupa-se em demasia com a estatística?
Por exemplo, fico espantado quando o Conselho Nacional de Educação vota por unanimidade que acabar com as reprovações até ao 9.º ano é um objectivo. Não consigo perceber como é que os pais, representados no Conselho Nacional, aceitam que os filhos frequentem uma escola onde não se chumba. Confesso que se no meu tempo não houvesse chumbos, quando eu tinha 14/15 anos, eu não teria estudado o que estudei. Medidas como esta vão tornar o ensino ainda mais laxista e menos rigoroso. Com estes sinais, as crianças vão pensar que a vida não é exigente, quando a educação é precisamente preparar para a vida. Entre momentos de aprendizagem e avaliação há momentos de trabalho, premiando quem merece e reprovando quem não sabe. As aulas são espaços de trabalho, não de lazer. Para isso, temos o recreio.
Em 46 anos tivemos 29 ministros da Educação. Apenas Maria de Lurdes Rodrigues, Marçal Grilo e Roberto Carneiro ficaram, depois do 25 Abril, mais de 4 anos no Ministério da “5 de Outubro”. A lógica é «cada cabeça sua sentença»?
Não dá estabilidade e demonstra o quão grave é o estado do sistema. O sistema educativo que está em vigor, há anos demais, é uma visão muito propalada pelas escolas de educação, que são parte do problema e não da solução. As escolas de educação têm transmitido ideias erradas: o laxismo, a ideia de que os alunos não podem reprovar, que a sala de aula é um espaço de lazer, que se aprende brincando... É um erro crasso. A escola é a imitação da vida e a vida também é trabalho, rigor e esforço. Há muito tempo que as escolas de educação dominam o Ministério da Educação, os comentadores dos assuntos de educação e, mais recentemente, estão a tomar conta dos professores, porque começam a ser maioritários os docentes que acedem ao ensino secundário oriundos das escolas de educação.
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