quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

As convicções são entidades mais perigosas do que os demónios

«Convicções são entidades mais perigosas que os demônios. E o problema é que não há exorcismo capaz de expulsá-las da cabeça onde se alojaram, pela simples razão de que elas se apresentam como dádivas dos deuses. Os recém-convertidos estão sempre convictos de que, finalmente, contemplaram a verdade. Daí a transformação por que passam: seus ouvidos, órgãos de audição, se atrofiam, enquanto as bocas, órgãos da fala, se agigantam. Quem está convicto da verdade não precisa escutar. Por que escutar? Somente prestam atenção nas opiniões dos outros, diferentes da própria, aqueles que não estão convictos de ser possuidores da verdade. Quem não está convicto está pronto a escutar - é um permanente aprendiz.

(...)

Dizia Nietzsche que "as convicções são piores inimigos da verdade que as mentiras". Estranho isso? Não. Absolutamente certo. Porque quem mente sabe que está mentindo, sabe que aquilo que está dizendo é um engano. Mas quem está convicto não se dá conta da própria bobeira. O convicto sempre pensa que sua bobeira é sabedoria.

As inquisições se fazem com pessoas convictas. (...)

Mas os demônios das convicções têm atributos dos deuses: são omnipresentes. Escorregam da religião. Emigram para a política. (...)

Nenhuma instituição está livre dos demônios das convicções. Nem mesmo a ciência.»

Rubem Alves

(in O que é científico? Edições Loyola, São Paulo, Brasil, 2007, pp 45-47)

Nota: Estas citações foram recolhidas no blogue Memórias Soltas de Prof, da Isabel Campeão.

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