quinta-feira, 3 de março de 2011

Se não reinasse a hipocrisia no Parlamento…

Na sequência de vários testemunhos que têm chegado aos deputados do Bloco de Esquerda, relatos que dão conta da situação insustentável que o actual modelo de avaliação desempenho docente está a criar nas escolas, um processo que multiplica inúmeras burocracias, consome tempo e energias que deviam ser direccionadas para os alunos, cria problemas e conflitos onde não existiam, que em nada contribui para resolver problemas que de facto existem ou para melhorar o trabalho das escolas, este Grupo Parlamentar apresentou na Assembleia da República um Projecto de Lei que propõe a suspensão do actual modelo de avaliação e a discussão de um novo modelo. Essa discussão e votação está agendada já para dia 25 de Março.

O Bloco de Esquerda sublinha na “Exposição de motivos”, que introduz o seu Projecto de Lei, que tem como objectivo suspender o actual modelo de Avaliação do Desempenho dos Docentes e instituir um novo:

“À escola pública democrática coloca-se o desafio de responder ao direito ao sucesso com qualidade de todas as crianças e jovens. Nesse sentido, o modelo de avaliação só pode estar centrado nesta prioridade e na exigência de professores para ela motivados e qualificados. O processo de definição de um sistema de avaliação de desempenho docente adequado e credível deve constituir-se portanto, e necessariamente, enquanto processo aberto e participado, de modo a que o resultado final configure um modelo em que todos os agentes se revejam e relativamente ao qual reconheçam plena credibilidade.

Não foi esta, contudo, a filosofia que desde o início o Ministério da Educação perfilhou. Os sucessivos modelos de avaliação de desempenho docente, quer os definidos durante a anterior legislatura, quer o novo modelo desenhado em meados de 2010, têm vindo a confirmar as piores suspeitas quanto à sua natureza intrinsecamente complexa, morosa, desadequada e ambígua.

É hoje evidente que o modelo que resulta do Decreto Regulamentar n.º 2/2010, de 23 de Junho, afogou as escolas em actividades e rotinas que, não só não são entendidas, como prejudicam o trabalho com os alunos e é responsável pela desestabilização generalizada em que se encontra actualmente o sistema educativo. As escolas e os relatores estão hoje afogados num processo burocrático impraticável, pautado por critérios ambíguos, sem tempo disponível para as suas exigências. É por isso que sucessivamente escolas, professores e relatores têm vindo a denunciar a total inaplicabilidade do modelo e as suas implicações nocivas para o trabalho das escolas e professores. É indesmentível que este processo conduzido de forma autocrática pelo Ministério da Educação continua a provocar danos profundos no quotidiano das escolas, com graves consequências para a qualidade das práticas de ensino e aprendizagem.

Interessa, no novo contexto político da XI legislatura, centrar o debate e as propostas no que verdadeiramente é determinante para a melhoria do sistema educativo — avaliar as escolas públicas nas suas diferentes componentes e enquanto resultado do trabalho colectivo de docentes — o que este modelo inviabiliza por completo.

De facto, a aposta num modelo de avaliação do desempenho dos docentes desenhado em termos de objectivos estritamente individuais desvirtua as dinâmicas organizacionais de cooperação, e não permite requalificar as equipas de profissionais da escola pública para a melhoria da qualidade das aprendizagens e a promoção da igualdade de oportunidades.

É esse o testemunho que nos chega das escolas e pela voz dos professores: o actual modelo instaurou uma competição e um mal-estar na relação entre os docentes que em nada contribui para a melhoria do seu desempenho. Aliás, os erros apontados aos modelos de avaliação de desempenho docente, definidos pelo ME nos últimos anos, mostram-nos que construir instrumentos de aferição e lógicas de avaliação que têm apenas como objectivo criar obstáculos à progressão na carreira de educadores e docentes não permite qualquer melhoria séria das práticas educativas de educadores e docentes. Pelo contrário. Este modelo cria problemas onde eles não existiam, retira tempo e disponibilidade aos professores, multiplica burocracias e mal-estares prejudiciais ao desempenho das escolas e dos educadores e docentes.

Nesse sentido, o Bloco de Esquerda propõe um modelo integrado de avaliação, que cruza processos de avaliação interna e de avaliação externa. E é nesse contexto que enquadra a avaliação do desempenho docente.

Assim, a fixação de objectivos deve ser realizada pela escola e pelos diferentes órgãos de coordenação científica e supervisão pedagógica — e é em referência a esses objectivos (definidos por disciplina, por ciclo de escolaridade) que a avaliação docente deve ser realizada. Por outro lado, a dimensão de avaliação individual deve coincidir com a transição para um novo escalão da carreira dos docentes, e não contribuir para mergulhar anualmente as escolas e os seus profissionais num processo interminável que desvia atenções e energias das escolas do seu trabalho fundamental com os alunos.

É, pois, necessário contribuir para a construção de um novo modelo de Avaliação credível e profícuo, devolvendo tranquilidade às escolas, dotando-as de instrumentos que as preparem melhor para o seu futuro e que as libertem do economicismo e da pressão para o sucesso à força.

As características estruturantes da proposta de Avaliação do Desempenho dos Docentes apresentada pelo Bloco de Esquerda são as seguintes:

um modelo integrado que parte de objectivos definidos pelos diferentes órgãos de coordenação científica e pedagógica;

um modelo integrado que avalia o desempenho docente no quadro da avaliação das escolas;

um modelo que articula a avaliação interna com a avaliação externa, que valoriza a auto-avaliação das escolas e dos professores e a concilia com instrumentos que garantem a independência do processo;

um modelo que alivia as escolas, ao colocar a avaliação de desempenho docente individual apenas no momento de transição de escalão da carreira;

um modelo que valoriza o desempenho das melhores escolas e dos melhores professores e que previne e corrige os problemas.

a discussão desta proposta pressupõe a suspensão do actual modelo de avaliação de desempenho.

Nenhum comentário: