A revista ÚNICA do jornal Expresso, hoje chegado às bancas, traz uma longa entrevista com o actual Ministro da Educação e Ciência, Nuno Crato. Depois da leitura da mesma, fiz um apanhado das partes mais significativas e inseri o assunto tratado em cada uma delas. Aqui fica ao dispor dos visitantes deste blogue.
AUTONOMIA DAS ESCOLAS
Qual é a marca que gostava que ficasse associada à sua passagem pelo Ministério? Duas ou três coisas. Comecemos pelo ensino básico e secundário. Eu gostaria que, à saída deste Governo, houvesse muito maior autonomia das escolas e maior responsabilidade.
Isso passa por um professor em Bragança não ser nomeado pela 5 de Outubro? Exatamente. Passa por as nomeações serem feitas de forma mais descentralizada.
Escola a escola? São tudo modelos que temos de discutir. Vamos iniciar um grande debate nacional sobre como é que vamos criar o procedimento da autonomia das escolas. É a primeira coisa. Segunda: queremos um ensino que seja mais exigente.
Mais exigência significa mais exames, ou não necessariamente? Em abstrato, não. Neste momento, significa mais exames ou mais provas de avaliação. São processos de aferição do sistema para dizer ao público em que estado estamos, e isso é fundamental. Quando temos objetivos claros na vida, trabalhamos melhor.
PROPOSTA DE AVALIAÇÃO
Está tranquilo quanto ao arranque do ano letivo? Estou. Acho que vai começar com grande tranquilidade. Há sempre problemas, há questões que estão a ser discutidas e vamos discuti-las em paralelo.
Como é que têm corrido as negociações com os sindicatos sobre o modelo de avaliação dos professores?
Bastante bem. Acreditamos que seja possível chegar a acordo. Há várias propostas que fazem sentido e que foram já incorporadas na versão discutida esta semana.
Por exemplo? A nossa proposta de avaliação é formativa e hierárquica. Faz todo o sentido que incida sobretudo sobre os professores em início e meio da carreira. Na nova proposta que está em cima da mesa, após as primeiras rondas negociais, os professores em topo de carreira terão também um processo de avaliação. Por se tratar de um modelo de avaliação hierárquico, optou-se por avançar com uma avaliação simplificada. Posso também adiantar que, nos casos em que haja avaliação externa, a proposta apresentada esta semana estabelece uma ponderação de 42% sobre a notação final. Ou seja, tem um peso significativo, embora não seja o único factor.
Por quem vai ser feita essa avaliação dos professores do topo da carreira? Pela direção da escola e pelo conselho pedagógico.
É um modelo que vai evoluir? É. Espero que daqui a quatro anos estejamos numa situação bastante diferente, com maior autonomia das escolas, mesmo na avaliação dos professores.
EXAMES NO 6.º ANO
Vai lançar agora os exames do 6.º ano. Que planos é que há para os do 4.º? Queremos chegar lá também, mas não há nenhum calendário previsto. Foi uma alteração mais fácil. Porquê o 6.º e não o 4.º, independentemente de ser mais fácil ou mais difícil? Porque reparámos que surgem grandes dificuldades nesta transição. Há muitos jovens que chegam ao fim do 1.º ciclo e que dominam aquilo que deveriam dominar, mas que parece que depois entram no 2.º ciclo tendo esquecido uma série de coisas e perdido uma série de rotinas, de miniprocessos e conhecimentos que já tinham adquirido no 4.º ano de escolaridade. É um fenómeno internacional, não é só português.
Os exames são para manter só a Português e Matemática? Gostaríamos de alargar.
E o que gostaríamos significa? Que temos de estudar tudo isso.
Isso já dizia no seu livro “O ‘eduquês’ em Discurso Direto”. É um pouco seguir aquilo que já tem pensado... É. O essencial é que haja uma avaliação, no fim de cada ciclo, que seja rigorosa e clara, que aponte patamares de aprendizagem.
Este ano foi muitas vezes usada a expressão ‘desaire’ a propósito dos resultados dos exames nacionais. Acha que são imputáveis a quê ou a quem? É todo o sistema de ensino, é um problema global. São jovens a quem não é pedido o esforço que podiam dar, porque os programas não são suficientemente exigentes, são anos em que os programas não são claros, em que se dispersam por muitas coisas. São problemas muito gerais, para além dos sociais, que sabemos que existem em muitas regiões do país. Não podemos nem queremos facilitar artificialmente os exames, de forma a que tenham melhores notas. Queremos mexer no sistema todo sem fazer uma revolução. Com medidas transitórias, bem pensadas e avaliadas à medida que vão sendo feitas. Vai demorar algum tempo. E implica também uma reorganização do que é neste momento o tempo de um professor, tão ocupado com burocracias... Queremos reduzir imenso a burocracia nas escolas. Mes- mo no processo de avaliação que propomos, estamos a tentar que seja o menos burocrático possível.
Mas a burocracia não é só isso. Não, não é só isso. Ela existe, em grande parte, porque existe esse sistema centralizado e quando o siste- ma está centralizado...
As funções administrativas... Crescem, porque é preciso dar indicações em relação a tudo. Não sei se conhecem aquela anedota dos parafusos. Segue uma diretiva a dizer que é preciso fazer seis toneladas de parafusos e a fábrica faz um parafuso de seis toneladas. No ano seguinte segue a diretiva de que é preciso fazer seis toneladas de parafusos, mas cada parafuso não pode ser maior do que um determinado tamanho e então os parafusos são tão pequenos que ninguém os vê... Quando estamos a dirigir à distância uma organização, precisamos de burocracia. Nós queremos dar mais incentivos às escolas e aos professores para que eles próprios se organizem da melhor forma, dadas as condições locais, para atingir os objetivos gerais. A redução da burocracia é isso.
A descentralização passa também por as moradas deixarem de fazer sentido na colocação dos alunos? Passa por haver muito maior liberdade de escolha, não só dentro da escola pública como escolha entre escola pública e privada.
Passa pela possibilidade de haver cheque-ensino? O cheque é um símbolo. Passa por haver maiores possibilidades de as famílias es- colherem a sua escola. Tudo isto são coisas para as quais existem ideias gerais que nós durante este ano vamos concretizar.
MODELOS DE ENSINO
Há algum modelo de ensino com que se identifique mais e que gostasse de importar? Julgo que os anglo-saxónicos são bons. Existe talvez demasiada dispersão no sistema norte-americano e demasiada centralização no oposto, que é o francês e o português. Infelizmente ou felizmente, não há um modelo que eu possa dizer: é este o ideal. Se houvesse já estava em muitos países...
O que lhe agrada no anglo-saxónico? Agrada-me uma grande autonomia das escolas. Uma grande intervenção das comunidades locais e das famílias, a existência de incentivos para que a escola tenha melhores resultados. Autonomia e liberdade são coisas que destacaria acima de tudo.
Faz sentido uma aula ter 90 minutos? Acho que isso deve ser decidido pelas escolas. As escolas que se organizem da melhor maneira. Era isso que gostaríamos que viesse a acontecer muito em breve.
É possível então que uma escola tenha aulas com 30 minutos, outra 40, outra 90? Claro que sim. É para isso que vamos caminhar, desde que dê o programa...
O mesmo programa? Pode não ser o mesmo, mas os aspetos essenciais devem ser os mesmos e desde que as escolas tenham um mínimo de horas às disciplinas fundamentais. A ideia é que o Ministério deve estabelecer apenas uns limites amplos dentro dos quais as escolas se organizem. Assim como quanto aos manuais. É uma coisa incrível estarem sempre a mudar. De que é que precisamos? De manuais escolares que tenham as coisas essenciais. E se os programas também forem racionalizados no sentido de ser obrigatório o essencial, o resto vem por acréscimo.
CONCRETIZAÇÕES A MÉDIO PRAZO
A um ano de distância, o que é que acha que pode começar a ser concretizado no ano letivo de 2012-2013? Vamos fazer reajustamen- tos nos programas fundamentais — Português e Matemática —, de forma a não criar grandes alterações nos processos. Foram estabelecidas metas pela ministra anterior; a ideia de metas é boa, mas infelizmente não foi tão longe quanto podia. E estiveram sempre balizadas por documentos que precisam de ser alterados. Há um documento orientador de todo o ensino básico que tem de ser revogado rapidamente, que é o chamado Currículo Nacional de Competências Essenciais, porque tem orientado de forma negativa a maneira como os programas estão a ser construídos e estão a ser interpretados. Vamos trabalhar aí e nas metas, de forma a que o osso dos programas se torne mais claro.
AUTORIDADE DOS PROFESSORES
O que é que se pode fazer para repor a autoridade dos professores? Logo na apresentação do Governo, fomos muito claros e dissemos: nós estamos com os professores na procura de exigência, na dignificação da profissão, na procura de uma aula tranquila, disciplinada, onde se possa aprender. Respeitem os vossos professores é uma mensagem que eu gostaria de deixar para a abertura das aulas: alunos, respeitem os vossos professores.
EXAME DE ENTRADA NA CARREIRA
Defende o exame de entrada na carreira? Sempre defendi. Já está na lei, agora temos que a regulamentar e pôr em prática. E vamos tomar uma série de medidas, em colaboração com as escolas de formação de professores, para que seja mais rigorosa.
Também fará com que sejam mais respeitados... Sim. As pessoas dizem que não basta saber, é preciso saber ensinar. É verdade, mas sublinharia que não se pode ensinar aquilo que não se sabe muito bem e, quanto melhor se souber, melhor se saberá ensinar.
ENSINO E IGUALDADE DE OPORTUNIDADES
Sente que em Portugal o ensino garante a igualdade de oportunidades? Não, não garante.
Mas a função da escola pública... Não só da escola pública. A escola em geral deveria garantir a igualdade de oportunidades. Ainda não acontece, por problemas gerais que demoram muito anos a resolver e que nenhum país do mundo resolveu por completo. Não tenhamos ilusões, há problemas gerais, há comunidades e zonas do país em que há maiores dificuldades, maior pobreza. A escola não está ainda a ser um garante da igualdade de oportunidades porque, em muitos casos, se desiste dos alunos mais mal preparados e porque se tem tomado, em muitos casos, a atitude de baixar os braços e não ser exigente, pensando que a exigência vai prejudicar os pobres, quando no fundo é exatamente o contrário — vai dar mais oportunidade aos pobres.
Basta olhar para o topo dos rankings: a percentagem das privadas que ocupam os lugares cimeiros deve querer dizer alguma coisa. Isso não o incomoda? Incomoda-me que as coisas não estejam a avançar como gostaríamos. Há um aspeto em que todos podemos apoiar muito esses jovens à entrada da escola, que é o pré-escolar. Isso é uma preocupação internacional, em todos os países se percebeu que o ensino pré-escolar cria maior igualdade de oportunidades. É um caminho que estamos a trilhar e temos de trilhar cada vez mais.
Os rankings foram uma coisa boa ou nem por isso? Houve uma coisa muito boa, que foi os resultados serem revelados. O que é importante por parte do Estado é disponibilizar a informação. Vejo os rankings como uma ajuda a ler os dados disponibilizados. É muito importante que os pais percebam que há escolas a funcionar muito melhor de que outras. E isso é um incentivo a todas para que melhorem.
PROFESSORES COM HORÁRIO ZERO
O número de professores com horário zero também ainda não está quantificado? Não, não está. Mas há uma coisa de que devemos ter consciência. Este ano, em virtude de muitas coisas – redução da população escolar, alguns ajustamentos curriculares – vai haver um número grande de professores não colocados. É uma situação preocupante, do ponto de vista social. Temos todos de ter consciência de que estamos a viver momentos difíceis e que vai haver dificuldades.
E números? Não tenho ainda números, mas dentro de semanas teremos.
CORTE DE 195 MILHÕES
Onde vão ser poupados os 195 milhões que a troika diz que têm de ser cortados? Identificámos uma série de programas em que estamos a fazer poupanças. E estamos a olhar para as coisas com grande rigor. Algumas já estão identificadas.
Tais como? São poupanças por todo o lado, em todas as áreas. Estamos a cortar... Estamos a cortar eu diria em todas as áreas.
Um exemplo ou outro? Vamos reduzir muito o número de organismos dependentes do Ministério, vamos fundir organismos, vamos acabar com uma série de chefias superiores.
Mas por enquanto sobre isso também é o que pode ser dito? Naquilo que está a ser estudado, a racionalização da rede de ensino, por exemplo. Escolas que estão a ser fechadas. Esse encerramento de escolas é uma coisa que é bastante significativa pelo seguinte: ao mesmo tempo é uma medida de poupança e é uma medida pedagogicamente importante. É muito limitativo da experiência dos estudantes estarem numa escola com 19 colegas. É muito limitativo.
Vão fechar mais escolas? Sim, vão fechar umas 300 escolas — um número quase igual às que já fecharam. É inevitável.
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