quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Como reconhecer a imbecilidade?



É capaz de reconhecer um(a) imbecil? Mesmo que a resposta seja afirmativa, não deixe de ler o texto que a seguir transcrevo.

«Sabes qual é a única obrigação que temos nesta vida? Pois é a de não sermos imbecis. A palavra «imbecil» é mais densa do que parece, não duvides. Vem do latim baculus, que significa «bastão»: o imbecil é o que precisa de um bastão ou bengala para andar. Que não se zanguem connosco os coxos nem os velhos, porque a bengala a que nos referimos não é a que muito legitimamente se usa para ajudar a sustentar-se e a andar um corpo enfraquecido por algum acidente ou pela idade. O imbecil pode ser tão ágil quanto se queira e dar saltos como uma gazela olímpica, não é disso que se trata. Se o imbecil coxeia não é dos pés, mas do espírito: é o seu espírito que é enfermiço e manco, embora o seu corpo possa dar cambalhotas de primeira. Há imbecis de diversos modelos, à escolha:
a) O que acredita que não quer nada, o que diz que para ele é tudo igual, o que vive num perpétuo bocejo ou numa sesta permanente, mesmo que tenha os olhos abertos e não ressone.
b) O que acredita que quer tudo, a primeira coisa que lhe aparece e o contrário do que lhe aparece: ir-se embora e ficar, dançar e estar sentado, mascar dentes de alho e dar beijos su- blimes, tudo ao mesmo tempo.
c) O que não sabe o que quer nem se dá ao trabalho de o averiguar. Imita os quereres dos seus vizinhos ou contraria-os porque sim, tudo o que faz lhe é ditado pela opinião maioritária daqueles que o rodeiam: é conformista sem reflexão ou revoltado sem causa.
d) O que sabe que quer e sabe o que quer e, mais ou menos, sabe porque é que o quer, mas quer pouco, com medo ou sem força. Acaba sempre por fazer, bem vistas as coisas, o que não quer, deixando o que quer para amanhã, pois talvez amanhã esteja mais bem-disposto.
e) O que quer com força e ferocidade, em estilo bárbaro, mas se enganou a si próprio acerca do que é a realidade; despista-se em grande e acaba por confundir a vida boa com aquilo que o há-de tornar pó.
Todos estes tipos de imbecilidade precisam de bengala, ou seja, precisam de se apoiar em coisas de fora, alheias, que nada têm a ver com a liberdade e a reflexão pessoais. Lamento dizer-te que os imbecis costumam acabar bastante mal, pense o vulgo o que pensar. Quando digo que «acabam mal» não me refiro ao facto de acabarem na prisão ou fulminados por um raio (isso só nos filmes costuma acontecer); limito-me a indicar-te que costumam fartar-se de si próprios e nunca conseguem viver uma vida boa, como essa que nos agrada tanto, a ti e a mim. E ainda lamento mais informar-te de que sintomas de imbecilidade quase todos nós os temos; bom, eu pelo menos descubro-os na minha pessoa dia sim, dia sim; oxalá que tu consigas melhor do que eu... Conclusão: Alerta! Em guarda! A imbecilidade ronda e não perdoa!»

Fernando Savater, Ética para Um Jovem,  
D. Quixote, Alfragide, 2012, pp. 83-84

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