sexta-feira, 16 de agosto de 2013

A EMBRIAGUEZ, segundo o Padre António Vieira


EMBRIAGUEZ
Contudo em outras matérias, não poucas, nem pouco graves, vejo entre nós viver muito leves e muito alegres sem nenhum escrúpulo algumas almas, e não das menores, como fala Séneca... as quais pelo que obram, ou têm obrado, assim no Reino, como fora dele, deveram andar muito tristes e muito escrupulosas. Aquelas dívidas que não se pagam, aquelas violências e os danos delas, aqueles votos injustos e suas consequências, aquelas informações falsas antepostas ao merecimento verdadeiro, aquelas riquezas adquiridas não sei como, ou como todos sabem, não são matérias bastantes para causar grandes escrúpulos? Pois como é possível que o não façam homens cristãos, e que se confessam, e comungam? É porque lhes diverte o escrúpulo, e porque lhes perturba e tira o juízo, não o remédio de Lutero, mas outro muito semelhante.
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Assim que, não é só o vinho o que embebeda. Embebeda a soberba, embebeda a ambição, embebeda a cobiça, embebeda a luxúria, embebeda a ira, embebeda a inveja, e até aos que não têm a invejar embebeda a sua mesma fortuna, como de Cleópatra disse o Poeta... Por este modo, sem perder a fé, bebendo-se docemente os vícios, se adormentam neles os escrúpulos, e se divertem os estímulos da consciência, como fazia Lutero. Na mocidade esperando pela velhice, na velhice não crendo a morte, e na mesma morte por amor da família, que cá fica, levando o escrúpulo atravessado na garganta, e sendo levados dele aonde já não têm remédio. 
Padre António Vieira, Sermões

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