domingo, 16 de junho de 2013

Quem retira as escolas da tristeza?



Protestos e exames fecham o ano em que a escola entristeceu

Ontem à tarde, João, Diogo e Vanessa estavam a estudar para um exame que não sabem se terão amanhã, por causa da greve geral dos professores. À mesma hora, milhares de docentes manifestavam-se nas ruas, em Lisboa, depois de uma semana de greve às avaliações que faz com que a maior parte dos alunos tenha de enfrentar as provas nacionais sem conhecer a nota do 3.º período. Jorge Ascenção, da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap), acompanhava as notícias: “Será possível, ainda, um acordo entre o Ministério da Educação (MEC) e os sindicatos?”
Foi mais um dia de ansiedade. Só mais um, depois de semanas especialmente tumultuosas, mas que não destoaram completamente do clima que se viveu nas escolas ao longo de todo o ano, dizem alunos, pais e professores. Por causa da crise, que atingiu as famílias e entrou na escola, contaminando tudo, mas também devido a inúmeras novidades no sector da Educação – desde o aumento do número de alunos por turma às alterações curriculares.
“Tudo junto, poderá reflectir-se nos resultados dos exames? Creio que não será mensurável, porque há demasiados factores envolvidos, entre os quais a maior ou menor dificuldade da prova. Mas, a médio prazo, reflectir-se-á na qualidade do ensino”, considera Carlos Santos, director da Escola Secundária Joaquim de Carvalho, na Figueira da Foz.
A sua escola é privilegiada. Tem autonomia, não está agrupada, recebe, principalmente, alunos de classe média. Mas já foi mais feliz: “A crise afecta os alunos. Tenho muitos colegas com um dos pais desempregado, nota-se que há menos dinheiro para tudo: para comer fora, para ir para os copos, para as explicações. E admito que até possa haver problemas mais graves, de fome, que não detectamos...”, comenta o presidente da Associação de Estudantes, João Fortunato. Quanto aos professores, diz, “estão mais ocupados, mais saturados e com menos disponibilidade para desenvolver os projectos que dantes animavam a escola”.
“Somos pessoas de carne e osso. Acho que a opinião pública, quando nos crucifixa, se esquece disso – nós também temos cortes nos vencimentos, familiares desempregados, compromissos a que não conseguimos responder; e, para além disso, estamos a assistir à destruição da escola pública”, faz notar Cristina Pereira, professora de Português de João.
O discurso de directores, professores e alunos não é muito diferente noutras escolas do Norte e do Sul do país. Jorge Ascenção, da Confap, acredita que “parte do desalento dos professores resulta da altíssima expectativa que tinham em relação ao ministro Nuno Crato”. “Este ano foi um choque”, diz.
Turbulência começou cedo
A turbulência nas escolas fez-se sentir ainda o ano lectivo não tinha começado, em réplicas da política de redução de despesas, que incluiu o encerramento de estabelecimentos do 1.º ciclo, a criação dos mega-agrupamentos, o aumento do número de aulas dadas por cada professor e o desaparecimento das áreas não disciplinares do currículo dos alunos.
Numa primeira tentativa de redimensionar os quadros, os directores indicaram, em Agosto, que quase 14 mil professores de carreira ficariam com horário-zero, ou seja, nas escolas e com salário, mas sem dar aulas. No fim do mês, mais um abalo, dessa vez a atingir os professores sem vínculo à função pública, mas, ainda assim, com dez, 15 e às vezes 20 anos de serviço: dos 51 mil que se candidataram, só ficaram colocados 7600, menos 5147 do que no ano anterior.
Passaram nove meses, mas “o medo, a instabilidade e o sentimento de injustiça de quem ficou na escola só se agravou”, comenta Adelina Precatado, professora de Matemática e subdirectora da Escola Secundária de Camões, em Lisboa.
O número de horários-zero baixou para 600, com a “repescagem” de parte dos docentes e a ocupação provisória dos restantes em “actividades de promoção do sucesso educativo e de combate ao abandono escolar”. Mas não se alterou o desequilíbrio sentido nas escolas, com uns professores a arcarem com um maior número de alunos e de turmas e outros sem poderem dar aulas.
Entretanto, aposentaram-se muitos professores (mais de 1200, só desde Janeiro), mas as escolas continuaram a fechar e o número de mega-agrupamentos a crescer. Para além disso, o horário de trabalho vai aumentar para 40 horas e, apesar de o MEC assegurar que não fará crescer a carga lectiva, os sindicatos já fazem contas ao número de professores que poderão ser dispensados com uma alteração tão simples como a não atribuição de tempo para a direcção de turma.
O cenário foi definitivamente agravado por outro factor. A mobilidade especial, com perda de salário e risco de despedimento, deixou de ser um fantasma que o ministério garantia que não viria a aplicar-se aos professores. Já os atingiu, agora com a designação de “requalificação profissional”, e, a par com o aumento do horário de trabalho, é o motivo da greve às avaliações e aos exames que está em curso.
O desalento dos professores afecta a qualidade de ensino? “Por maior esforço que façam para tentar que isso não aconteça, afecta, sentimos que, para eles, cada dia é uma batalha”, diz Diogo Madruga, presidente da Associação de Estudantes da Secundária de Camões, em Lisboa. Considera, mesmo, que “a greve num dia de exames, para um professor que preparou os seus alunos, é uma manifestação de desespero que os alunos têm de entender e apoiar”.
Vanessa Ferreira, aluna da Escola Secundária D. Maria II, de Braga, também sente que o “stress dos professores” prejudica a qualidade das aulas. Quanto à greve às avaliações e em dia de exame, é menos compreensiva: “Têm o direito de a fazer, claro, mas espero que saibam a ansiedade e a insegurança que isto nos provoca”, afirma. João Fortunato também pensa que, mais do que uma eventual perda de qualidade das aulas, a incerteza quanto ao dia do exame pode prejudicar os resultados. Depois destes, serão os alunos do 6.º e do 9.º a serem atingidos com a greve do dia 27.
“Custa, claro, mas penso que a maior parte dos alunos compreende que estamos a lutar também pela escola, pela qualidade de ensino”, reage Adelina Precatado. Esta professora também pertence à Associação de Professores de Matemática e, como exemplo, indica factores “que prejudicam a escola”. As turmas maiores; o fim do estudo acompanhado e do Plano da Matemática, que, argumenta, não foram compensados pelo acréscimo de 45 minutos de aulas nos 2.º e 3.º ciclos; o desencontro entre o programa de Matemática e as metas definidas pelo MEC, que na sua perspectiva pode prejudicar os alunos que fazem exames do 6.º e do 9.º anos; ou a decisão do ministério de substituir o programa do básico, enumera.
No que respeita às alterações curriculares e de carga horária, as reacções variam consoante os grupos disciplinares dos professores e, até, conforme os cursos dos alunos.
Cristina Pereira, professora de Português, admite que naquela disciplina os 45 minutos a mais, no básico e no 12.º ano, foram muito positivos. “Parece pouco, mas permite desenvolver a escrita, por exemplo, o que é importantíssimo”, considera. No último ano do secundário, então, diz, “foram fundamentais, dada a extensão do programa e a complexidade dos autores estudados”.
A Diogo Madruga, estudante de Humanidades, agradou quer o tempo acrescido na disciplina de Português quer a redução da carga horária no 12.º ano, que permite “aos alunos terem mais tempo para si”. Em relação ao desaparecimento das áreas não disciplinares já tem uma opinião diferente, “especialmente Formação Cívica”, e ao desinvestimento nas disciplinas de Educação Visual e de Música no Ensino Básico. “Neste caso, sim, os reflexos serão graves, a médio e longo prazo”, avisa, sublinhando que “aquelas áreas são decisivas para o desenvolvimento do sentido crítico e da criatividade”.
Em cima do joelho
Como Diogo, Vanessa Ferreira, a estudante de Braga, não chora o tempo cortado nas disciplinas de opção do 12.º ano, que nalguns casos perderam 135 minutos. Já João Fortunato, aluno da área de Ciências, acredita que “ele terá reflexos na preparação para o ensino superior”. No seu caso, pelo menos, está certo disso. Escolheu Física, uma disciplina que considerava estruturante para o seu futuro, mas “como o programa, muito extenso, não foi alterado, os professores deram um cheirinho de tudo e não conseguiram aprofundar nada”, lamenta.
Antónia Costa, professora de Química na Escola Secundária de Camões, diz que o que se passou com as disciplinas de opção “é um belíssimo exemplo da maneira como as coisas muitas vezes são decididas e feitas em cima do joelho”.
Conta que, em Outubro, o grupo disciplinar a que pertence pediu orientações ao MEC sobre a aplicação do programa e dos critérios de avaliação, que na sua perspectiva teriam de mudar com a “drástica redução da carga horária”. A resposta demorou meses, mas chegou, a 21 de Maio. “Sugeriu a tutela, quase no fim do ano lectivo, que os professores do grupo se reunissem e decidissem entre si quais as matérias fundamentais...”, conta.
A perturbação causada pela falta de informações, por informações contraditórias ou incompletas e por decisões com efeitos sérios sem aviso prévio é comum a directores, professores e alunos.
João Fortunato coloca mesmo entre os maiores sustos que apanhou o anúncio, este ano, de que “as regras dos exames iam mudar a meio do jogo”. Apesar de a decisão ter sido tomada em Agosto, foi em Outubro que alunos, pais e professores descobriram, através de uma nota numa das páginas do MEC, que os exames nacionais iam incidir sobre os programas dos três anos do ensino secundário.
João reconhece que não demorou muito até que o Governo cedesse aos protestos e optasse pela aplicação progressiva da medida, que só será generalizada aos alunos que estão agora a concluir o décimo. “Mas estas coisas abalam, perturbam – que segurança podemos ter quando percebemos que as regras podem mudar a qualquer altura?”, lamenta. Diogo não se assustou porque confiou, precisamente, na instabilidade: “Isso pareceu-me tão absurdo que vi logo que mais dia menos dia o Governo desmentia ou voltava atrás. E assim foi”, justifica.
Os representantes das associações de directores reclamam da falta de clareza das orientações oficiais “que obriga a esclarecimentos, a esclarecimentos sobre os esclarecimentos e, às vezes, a circulares contraditórias com os esclarecimentos anteriores”. E Jorge Ascenção, da Confap, lamenta saber de notícias relevantes para os alunos pelos pedidos de comentários dos jornalistas. Não diagnostica má-fé, mas apenas “um problema de comunicação” que, diz, “tem contribuído para o clima de ansiedade entre os membros da comunidade educativa”.
O líder da Confap diz que o que prejudicou a escola, este ano, “foi tudo isso somado às medidas de austeridade que afectam toda a sociedade, mas que são especialmente graves”, considera, “quando envolvem crianças e jovens”. “Os pais estão tristes, os professores estão tristes, os alunos estão tristes. Como é que se pode ensinar e aprender bem quando toda a escola está triste?”, pergunta Jorge Ascenção.
16.06.2013

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