Protestos e exames fecham o ano em que a escola entristeceu
A perturbação causada pela greve dos
professores parece ter sido apenas mais um elemento perturbador num ano
difícil. Há quem pergunte: como é que se ensina e aprende quando toda a escola
está triste?
Ontem à tarde, João, Diogo e Vanessa estavam
a estudar para um exame que não sabem se terão amanhã, por causa da greve geral
dos professores. À mesma hora, milhares de docentes manifestavam-se nas ruas,
em Lisboa, depois de uma semana de greve às avaliações que faz com que a maior
parte dos alunos tenha de enfrentar as provas nacionais sem conhecer a nota do
3.º período. Jorge Ascenção, da Confederação Nacional das Associações de Pais
(Confap), acompanhava as notícias: “Será possível, ainda, um acordo entre o
Ministério da Educação (MEC) e os sindicatos?”
Foi mais um dia de ansiedade. Só mais um,
depois de semanas especialmente tumultuosas, mas que não destoaram
completamente do clima que se viveu nas escolas ao longo de todo o ano, dizem
alunos, pais e professores. Por causa da crise, que atingiu as famílias e
entrou na escola, contaminando tudo, mas também devido a inúmeras novidades no
sector da Educação – desde o aumento do número de alunos por turma às
alterações curriculares.
“Tudo junto, poderá reflectir-se nos
resultados dos exames? Creio que não será mensurável, porque há demasiados
factores envolvidos, entre os quais a maior ou menor dificuldade da prova. Mas,
a médio prazo, reflectir-se-á na qualidade do ensino”, considera Carlos Santos,
director da Escola Secundária Joaquim de Carvalho, na Figueira da Foz.
A sua escola é privilegiada. Tem autonomia,
não está agrupada, recebe, principalmente, alunos de classe média. Mas já foi
mais feliz: “A crise afecta os alunos. Tenho muitos colegas com um dos pais
desempregado, nota-se que há menos dinheiro para tudo: para comer fora, para ir
para os copos, para as explicações. E admito que até possa haver problemas mais
graves, de fome, que não detectamos...”, comenta o presidente da Associação de
Estudantes, João Fortunato. Quanto aos professores, diz, “estão mais ocupados,
mais saturados e com menos disponibilidade para desenvolver os projectos que
dantes animavam a escola”.
“Somos pessoas de carne e osso. Acho que a
opinião pública, quando nos crucifixa, se esquece disso – nós também temos
cortes nos vencimentos, familiares desempregados, compromissos a que não
conseguimos responder; e, para além disso, estamos a assistir à destruição da
escola pública”, faz notar Cristina Pereira, professora de Português de João.
O
discurso de directores, professores e alunos não é muito diferente noutras
escolas do Norte e do Sul do país. Jorge Ascenção, da Confap, acredita que “parte
do desalento dos professores resulta da altíssima expectativa que tinham em
relação ao ministro Nuno Crato”. “Este ano foi um choque”, diz.
Turbulência começou
cedo
A turbulência nas escolas fez-se sentir ainda
o ano lectivo não tinha começado, em réplicas da política de redução de
despesas, que incluiu o encerramento de estabelecimentos do 1.º ciclo, a
criação dos mega-agrupamentos, o aumento do número de aulas dadas por cada
professor e o desaparecimento das áreas não disciplinares do currículo dos
alunos.
Numa primeira tentativa de redimensionar os
quadros, os directores indicaram, em Agosto, que quase 14 mil professores de
carreira ficariam com horário-zero, ou seja, nas escolas e com salário, mas sem
dar aulas. No fim do mês, mais um abalo, dessa vez a atingir os professores sem
vínculo à função pública, mas, ainda assim, com dez, 15 e às vezes 20 anos de
serviço: dos 51 mil que se candidataram, só ficaram colocados 7600, menos 5147
do que no ano anterior.
Passaram nove meses, mas “o medo, a
instabilidade e o sentimento de injustiça de quem ficou na escola só se agravou”,
comenta Adelina Precatado, professora de Matemática e subdirectora da Escola
Secundária de Camões, em Lisboa.
O número de horários-zero baixou para 600,
com a “repescagem” de parte dos docentes e a ocupação provisória dos restantes
em “actividades de promoção do sucesso educativo e de combate ao abandono
escolar”. Mas não se alterou o desequilíbrio sentido nas escolas, com uns
professores a arcarem com um maior número de alunos e de turmas e outros sem
poderem dar aulas.
Entretanto, aposentaram-se muitos professores
(mais de 1200, só desde Janeiro), mas as escolas continuaram a fechar e o
número de mega-agrupamentos a crescer. Para além disso, o horário de trabalho
vai aumentar para 40 horas e, apesar de o MEC assegurar que não fará crescer a
carga lectiva, os sindicatos já fazem contas ao número de professores que
poderão ser dispensados com uma alteração tão simples como a não atribuição de
tempo para a direcção de turma.
O cenário foi definitivamente agravado por
outro factor. A mobilidade especial, com perda de salário e risco de
despedimento, deixou de ser um fantasma que o ministério garantia que não viria
a aplicar-se aos professores. Já os atingiu, agora com a designação de “requalificação
profissional”, e, a par com o aumento do horário de trabalho, é o motivo da
greve às avaliações e aos exames que está em curso.
O desalento dos professores afecta a
qualidade de ensino? “Por maior esforço que façam para tentar que isso não
aconteça, afecta, sentimos que, para eles, cada dia é uma batalha”, diz Diogo
Madruga, presidente da Associação de Estudantes da Secundária de Camões, em
Lisboa. Considera, mesmo, que “a greve num dia de exames, para um professor que
preparou os seus alunos, é uma manifestação de desespero que os alunos têm de
entender e apoiar”.
Vanessa Ferreira, aluna da Escola Secundária
D. Maria II, de Braga, também sente que o “stress dos professores” prejudica a
qualidade das aulas. Quanto à greve às avaliações e em dia de exame, é menos
compreensiva: “Têm o direito de a fazer, claro, mas espero que saibam a
ansiedade e a insegurança que isto nos provoca”, afirma. João Fortunato também
pensa que, mais do que uma eventual perda de qualidade das aulas, a incerteza
quanto ao dia do exame pode prejudicar os resultados. Depois destes, serão os
alunos do 6.º e do 9.º a serem atingidos com a greve do dia 27.
“Custa, claro, mas penso que a maior parte
dos alunos compreende que estamos a lutar também pela escola, pela qualidade de
ensino”, reage Adelina Precatado. Esta professora também pertence à Associação
de Professores de Matemática e, como exemplo, indica factores “que prejudicam a
escola”. As turmas maiores; o fim do estudo acompanhado e do Plano da
Matemática, que, argumenta, não foram compensados pelo acréscimo de 45 minutos
de aulas nos 2.º e 3.º ciclos; o desencontro entre o programa de Matemática e
as metas definidas pelo MEC, que na sua perspectiva pode prejudicar os alunos
que fazem exames do 6.º e do 9.º anos; ou a decisão do ministério de substituir
o programa do básico, enumera.
No que respeita às alterações curriculares e
de carga horária, as reacções variam consoante os grupos disciplinares dos
professores e, até, conforme os cursos dos alunos.
Cristina Pereira, professora de Português,
admite que naquela disciplina os 45 minutos a mais, no básico e no 12.º ano,
foram muito positivos. “Parece pouco, mas permite desenvolver a escrita, por exemplo,
o que é importantíssimo”, considera. No último ano do secundário, então, diz, “foram
fundamentais, dada a extensão do programa e a complexidade dos autores
estudados”.
A
Diogo Madruga, estudante de Humanidades, agradou quer o tempo acrescido na
disciplina de Português quer a redução da carga horária no 12.º ano, que
permite “aos alunos terem mais tempo para si”. Em relação ao desaparecimento
das áreas não disciplinares já tem uma opinião diferente, “especialmente
Formação Cívica”, e ao desinvestimento nas disciplinas de Educação Visual e de
Música no Ensino Básico. “Neste caso, sim, os reflexos serão graves, a médio e
longo prazo”, avisa, sublinhando que “aquelas áreas são decisivas para o
desenvolvimento do sentido crítico e da criatividade”.
Em cima do joelho
Como Diogo, Vanessa Ferreira, a estudante de
Braga, não chora o tempo cortado nas disciplinas de opção do 12.º ano, que
nalguns casos perderam 135 minutos. Já João Fortunato, aluno da área de
Ciências, acredita que “ele terá reflexos na preparação para o ensino superior”.
No seu caso, pelo menos, está certo disso. Escolheu Física, uma disciplina que
considerava estruturante para o seu futuro, mas “como o programa, muito
extenso, não foi alterado, os professores deram um cheirinho de tudo e não
conseguiram aprofundar nada”, lamenta.
Antónia Costa, professora de Química na
Escola Secundária de Camões, diz que o que se passou com as disciplinas de
opção “é um belíssimo exemplo da maneira como as coisas muitas vezes são decididas
e feitas em cima do joelho”.
Conta que, em Outubro, o grupo disciplinar a
que pertence pediu orientações ao MEC sobre a aplicação do programa e dos
critérios de avaliação, que na sua perspectiva teriam de mudar com a “drástica
redução da carga horária”. A resposta demorou meses, mas chegou, a 21 de Maio. “Sugeriu
a tutela, quase no fim do ano lectivo, que os professores do grupo se reunissem
e decidissem entre si quais as matérias fundamentais...”, conta.
A perturbação causada pela falta de
informações, por informações contraditórias ou incompletas e por decisões com
efeitos sérios sem aviso prévio é comum a directores, professores e alunos.
João Fortunato coloca mesmo entre os maiores
sustos que apanhou o anúncio, este ano, de que “as regras dos exames iam mudar
a meio do jogo”. Apesar de a decisão ter sido tomada em Agosto, foi em Outubro
que alunos, pais e professores descobriram, através de uma nota numa das páginas
do MEC, que os exames nacionais iam incidir sobre os programas dos três anos do
ensino secundário.
João reconhece que não demorou muito até que
o Governo cedesse aos protestos e optasse pela aplicação progressiva da medida,
que só será generalizada aos alunos que estão agora a concluir o décimo. “Mas
estas coisas abalam, perturbam – que segurança podemos ter quando percebemos
que as regras podem mudar a qualquer altura?”, lamenta. Diogo não se assustou
porque confiou, precisamente, na instabilidade: “Isso pareceu-me tão absurdo
que vi logo que mais dia menos dia o Governo desmentia ou voltava atrás. E
assim foi”, justifica.
Os representantes das associações de
directores reclamam da falta de clareza das orientações oficiais “que obriga a
esclarecimentos, a esclarecimentos sobre os esclarecimentos e, às vezes, a
circulares contraditórias com os esclarecimentos anteriores”. E Jorge Ascenção,
da Confap, lamenta saber de notícias relevantes para os alunos pelos pedidos de
comentários dos jornalistas. Não diagnostica má-fé, mas apenas “um problema de
comunicação” que, diz, “tem contribuído para o clima de ansiedade entre os membros
da comunidade educativa”.
O
líder da Confap diz que o que prejudicou a escola, este ano, “foi tudo isso
somado às medidas de austeridade que afectam toda a sociedade, mas que são
especialmente graves”, considera, “quando envolvem crianças e jovens”. “Os pais
estão tristes, os professores estão tristes, os alunos estão tristes. Como é
que se pode ensinar
e aprender bem quando toda a escola está triste?”, pergunta Jorge Ascenção.
16.06.2013
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