A OCDE põe a nu afirmações falsas do ministro
por Santana Castilho
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PÚBLICO, 26/09/2012
PÚBLICO, 26/09/2012
A OCDE publicou o seu habitual relatório Education at a Glance,
com o qual pretende influenciar as políticas seguidas pelos países membros, em
obediência aos dogmas da economia de livre mercado. Se é certo que a educação
não pode ignorar as realidades económicas, não menos certo é que a sua missão
primeira é desenvolver pessoas, que não mercados. Eis a razão por que olho com
reserva o que a OCDE conclui sobre os sistemas educativos. Porém, é de estudos
da OCDE, adulterados ou parcialmente lidos, que os detractores dos professores
e da escola pública se socorrem muitas vezes para envenenar a opinião pública.
Por isso, faz sentido trazer a público alguns dados que desmentem as últimas
atoardas propaladas.
São as escolas mais autónomas? Não! 78 por cento das decisões são tomadas a nível central
e 22 por cento a nível das escolas (dados de 2011, gráfico D6.1, publicação em
análise). A autonomia das escolas melhorou, como diz o discurso oficial? Não!
Foi reduzida para metade! Em 2007, as escolas tomavam 43 por cento das decisões
(gráfico D6.6).
Nuno Crato disse na TVI que a população
escolar tinha diminuído em 200 mil alunos nos últimos três anos. Não é verdade. A população escolar teve um crescimento de 71.883
alunos, como fundamentei no meu artigo
de 12.9.12. Ao “Sol” (7.9.12) disse o ministro: “… A natalidade diminuiu, o
número de estudantes diminuiu, daqui a quatro anos vai diminuir ainda mais …”.
Falso, diz também a OCDE! Nas projecções que estabelece para 2015 (gráfico C1.3)
consta um decréscimo de alunos (dois por cento) na faixa etária dos cinco aos
14 anos, largamente compensado com o acréscimo (10 por cento ou mais) para a
classe dos 15 aos 19 anos. A OCDE, comentando o quadro citado, refere como
excepção aos reflexos da demografia no número de alunos matriculados os casos
da Dinamarca, Noruega, Israel, Luxemburgo, México, Portugal e Turquia. Nuno
Crato ignorou que acabaram de chegar ao sistema os primeiros alunos atingidos
pela extensão do ensino obrigatório até aos 18 anos. E ignorou que cerca de 50
por cento da população jovem ainda não completa o ensino secundário. É grave,
seja qual for a razão por que o fez.
A frase malévola “temos menos alunos por professor do que a Áustria”,
deixada cair por Nuno Crato na entrevista ao “Sol”, é esclarecida pela OCDE, no
que importa. O tamanho médio das turmas portuguesas em 2010, antes portanto das
alterações determinadas por Nuno Crato, é superior, portanto pior, à média da
OCDE e ao tamanho das turmas na Áustria (gráfico D2.2). Se nos ativermos ao
ensino básico, a posição da Áustria é mais favorável (10 níveis de diferença)
que a de Portugal (gráfico D2.1). Com o
aumento do número de alunos decretado por Nuno Crato, sairemos do meio para a
cauda da tabela. Que pretendeu o ministro, que não tem carência de
conhecimento para interpretar indicadores estatísticos, quando se alistou no
grupo dos que confundem a dimensão das turmas, com que os professores realmente
trabalham, com uma relação descontextualizada entre os números totais de
professores e alunos? Confundir, deliberada e maliciosamente, a opinião
pública? Essa relação directa só
permitiria comparações quando corrigida por variáveis que Nuno Crato não pode
ignorar, a saber, entre outras: número de disciplinas por aluno (uma só
turma pode ter uma dezena de professores); professores absorvidos pela infernal
máquina administrativa do ministério; professores destacados em sindicatos;
professores afastados do sistema, por desempenho de outras funções públicas não
relacionadas com a educação; professores com horários exíguos, contabilizados
como se tivessem horários completos; professores com redução da componente
lectiva, por problemas de doença; professores envolvidos no Programa Integrado
de Educação e Formação (último recurso para jovens problemáticos, que supõe
turmas muito pequenas e tutorias especiais); professores que suprem
necessidades educativas especiais (cegos, surdos, deficientes motores ou
mentais, por exemplo) e número de horas consumidas pelos professores em tarefas
burocráticas, grotescamente inúteis.
Observada no conjunto dos indicadores, a fotografia do país não é boa.
Mas quando os gráficos reflectirem as inevitáveis consequências sobre os alunos
da degradação da actividade profissional dos docentes e da precariedade e
insegurança que Nuno Crato lhes vem impondo, ficará bem pior. Portugal tem, pelo menos, três talibans
no Governo: Gaspar, Passos e Crato. Vivem obcecados por um
problema circunstancial, financeiro, sem entenderem que os cortes cegos em
áreas estratégicas, como é a educação, comprometem o futuro e pioram o
imediato. Do seu consulado vão resultar jovens menos autónomos e felizes e
adultos mais pobres e desesperados. É inaceitável para Portugal.
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Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)
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